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Santos

Aposentado volta às origens com horta em estacionamento

Renato Mota planta chuchus e couves no Estuário, em Santos, como um retorno à juventude na Europa.

Marcus Vinicius Batista

Publicado em 20/05/2019 às 09:29

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Aos 80 anos, Renato Mota cuida sozinho de uma horta nos fundos de um estacionamento de caminhões da família. / NAIR BUENO/DL

Região de Aveiro, Portugal, 1953. Renato acorda às cinco horas da manhã. Aos 14 anos, ele ajuda os pais na lavoura. Não há maquinário para a família de lavradores. Plantar, adubar, colher, tudo é feito no braço.

Renato ganha o próprio dinheiro. Num pequeno pedaço de terra da família, planta chuchu e couve. O lucro da venda já assegura a presença nos bailes de final de semana. O sonho é a primeira namorada.

Santos, Brasil, 2019. Renato acorda por volta das 7 horas. Às 8h30, ele chega ao estacionamento de caminhões da família. Aos 80 anos, ele cuida sozinho de uma horta nos fundos do terreno. O único espectador é Apolo, o cachorro que ganha a primeira refeição do dia.

Na horta, Renato Orlando Martins Cardoso Mota - nome comprido, como manda a tradição portuguesa - pega na enxada ou na mangueira para cuidar dos pés de chuchu e couve, plantados há dois anos. Não há lucro. Nada é vendido. Apenas o prazer de plantar, adubar, colher e dar as verduras para os amigos e parentes. "A produção atingiu um grau surpreendente, transbordou de tal forma que não dava para consumo próprio", conta a filha Renata Mota.

Até comerciantes recebem as couves. Júnior Landim, dono de um bistrô no Canal 5, passou a incluir as folhas orgânicas na feijoada de sábado.

O aposentado português voltou às origens sem perceber. As coincidências acima não foram propositais, e sim notadas depois que a horta já tinha fama no bairro do Estuário, em Santos. A horta nasceu como meio de se manter ocupado, depois que os negócios na área de transporte foram transferidos para os filhos.

A horta é um tesouro escondido num bairro onde predominam pequenos prédios residenciais e terrenos voltados para o transporte de cargas. Do lado de fora, não há sinais que indiquem a jornada de um lavrador. A entrada é um portão metálico, com dez metros de extensão. Assim que se entra no terreno, pneus, carrocerias e caminhões estacionados preenchem o cenário cinzento.

A horta fica nos fundos do estacionamento, cercada por um galpão e dois prédios de três andares. Apenas os vizinhos podem visualizar os chuchus e as couves, isso se demonstrarem alguma curiosidade.

TERRA SALOBRA E AFETO

Os únicos produtos químicos do local são o óleo diesel, que descansa no tanque dos caminhões, e os produtos de limpeza, utilizados na manutenção do estacionamento. Nenhum deles chega perto da horta. Tudo é orgânico, inclusive o adubo. Neste caso, é uma infusão de dois a três meses, num barril nos fundos da horta. Depois, a serragem de madeira reforça o composto que será injetado nas mudas.

A filosofia natural do agricultor português dá a ele a consciência de que o caminho é mais difícil. O solo leva mais tempo para ser preparado. O clima de Santos, que alterna chuvas fortes com calor escaldante, atrapalha o desenvolvimento das plantas. "A terra é salobra, difícil dar grandes resultados."

Renato não arrisca outras culturas, além do chuchu e da couve. Hoje, o maior pé de couve passa de dois metros de altura. Os obstáculos ambientais, conta o aposentado, restringem o plantio que só demonstra se vai vingar depois de, no mínimo, dois meses. Hoje, por exemplo, o solo está exausto e os viveiros só devem ganhar novas mudas no segundo semestre.

CHEGADA AO BRASIL

Renato começou a ajudar os pais bem cedo. Aos quatro anos, fazia compras no armazém perto de casa. Além da agricultura, o pai dirigia caminhão e percorria as vilas e aldeias da região de Aveiro para a venda de batatas e vinho. Foi um período de racionamento de alimentos, após a Segunda Guerra Mundial. Um torrão de açúcar, por exemplo, valia muito. Parte da produção de batatas ficava com o governo português.

Aos 18 anos, Renato - diante das dificuldades econômicas - resolveu migrar para o Brasil. Veio de navio e se estabeleceu em Campinas, no interior do Estado, por onde viveu 25 anos. Assim como o pai, comprou um caminhão, só que para comprar e revender doces em diversas regiões de São Paulo.

As oportunidades no Porto de Santos o trouxeram para a cidade, nos anos 80. Aqui, diversificou as atividades de transporte, ampliou a empresa, incluiu os filhos e pôde se aposentar. A horta, diz Renato Mota, ocupa três horas de seu dia, mais uma volta ao estacionamento no final da tarde para alimentar novamente o cachorro. "É muito melhor do que ficar assistindo TV", diz o português que, aos 80 anos, não possui problemas de pressão alta, diabetes ou colesterol.

VOLTANDO À PORTUGAL

Renato voltará a Portugal em agosto. Lá, resolverá burocracia, visitará amigos, deve negociar um terreno. Na volta, no mês de setembro, ele promete investir mais energia na horta, recuperar o solo, replantar chuchu.

A espera será de seis meses até ser possível avaliar o resultado. Renato tem paciência, com distribuição prometida de verduras para 2020. A horta, diferente de 65 anos atrás, cria expectativa mais nos vizinhos e amigos que no próprio agricultor ressuscitado. Para ele, plantar, adubar, colher significam imaginar e relembrar como a vida foi (e é) ... lá e aqui.

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