X

Polícia

MPF e polícias investigam site denunciado por apologia ao racismo e pedofilia

Só a organização não governamental (ONG) SaferNet, que se dedica à prevenção e ao combate a crimes contra os direitos humanos na internet, recebeu mais de 11 mil denúncias em menos de 48 horas.

Agência Brasil

Publicado em 22/01/2018 às 02:05

Comentar:

Compartilhe:

A-

A+

"Não adianta denunciar meu site. Eu gozo de impunidade e o site vai continuar online", diz um artigo publicado no site. / Fotos Públicas/Divulgação

O Ministério Público Federal (MPF) e as polícias civis do Rio de Janeiro e de São Paulo investigam as reais motivações e os responsáveis por trás de um site denunciado por milhares de internautas por causa de textos que fazem apologia a crimes como racismo e pedofilia.

Especialistas ouvidos pela Agência Brasil não descartam a hipótese de que a página esteja a serviço de pessoas ou grupos interessados em prejudicar desafetos; disseminar o ódio contra as minorias sociais e conquistar audiência por meio de polêmicas – tática comum a vários sites e blogs sensacionalistas.

Só a organização não governamental (ONG) SaferNet, que se dedica à prevenção e ao combate a crimes contra os direitos humanos na internet, recebeu mais de 11 mil denúncias em menos de 48 horas. Analistas da ONG estão analisando o conteúdo dos textos denunciados para subsidiar as investigações já instauradas pelas procuradorias da República em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Criado em dezembro de 2017, o site que provocou a revolta de internautas com postagens intituladas "Espancar Negros Libera Adrenalina" e "Pedofilia Com Filhas de Mães Solteiras" ganhou destaque após publicar ofensas a estudantes e a um professor da UniCarioca.

Todos os alvos da publicação tiveram as fotos e nomes divulgados em um texto que caracterizava a instituição de ensino como uma “senzala gigantesca”. Um dos estudantes foi ameaçado de morte pelo agressor, que reclama da presença de “negros e mestiços” em ambiente antes dominado pela “elite branca”.

Após pedir a instauração de inquérito na Procuradoria da República no Rio de Janeiro, o procurador Daniel Prazeres, do Grupo de Combate a Crimes Cibernéticos, solicitou a ajuda da Polícia Federal (PF) e da Polícia Civil fluminense para tentar identificar os responsáveis pelo site.

“Este é um caso grave e complicado, já que a principal motivação pode ser prejudicar a terceiros, e não o racismo. É uma apuração muito difícil, que vai ter que ser feita em conjunto com vários órgãos e que traz à tona uma série de temas com os quais ainda estamos aprendendo a lidar”, ponderou o procurador, destacando que o fato de o site estar hospedado em um servidor no exterior pode atrasar a apuração.

Um dos textos publicados na página contém a seguinte mensagem: "Não adianta denunciar meu site. Eu gozo de impunidade e o site vai continuar online. Já paguei dez anos de servidor e coloquei mais de 50 artigos para serem postados automaticamente”.

Enquanto a investigação transcorre, a SaferNet recomenda que as pessoas evitem acessar ou compartilhar links de acesso a este e outros sites com a mesma temática. De acordo com diretores da ONG, as pessoas à frente desse tipo de página costumam adotar a estratégia de gerar polêmicas para divulgar anonimamente ideias criminosas e preconceituosas e, assim, conquistar audiência. Desta forma, passam a ganhar dinheiro com publicidade ou mesmo assumindo o controle dos computadores de internautas desavisados.

Ameaças

As vítimas citadas no texto sobre a UniCarioca registraram um boletim de ocorrência, e a Polícia Civil passou a investigar as denúncias, inicialmente tratadas como de racismo. No entanto, outros textos publicados fazem apologia a diferentes tipos de crime. Em uma postagem, os leitores são incentivados a doparem, raptarem e abusarem sexualmente de crianças, e o site ameaça fazer o mesmo com a filha de uma professora da universidade, de 11 anos.

“É um absurdo o que escreveram e eu não tenho a menor noção do porque de eu e minha filha termos sido envolvidas nesta situação”, disse à Agência Brasil a professora, que preferiu não se identificar. “Não tenho desafetos dentro ou fora da instituição e não tenho a menor ideia da motivação disso”, acrescentou a professora, que, após o episódio, bloqueou o acesso às páginas que ela e a filha mantinham em uma rede social.

Além do inquérito instaurado pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, desde 2017, a Polícia Civil de São Paulo já vem apurando a ação de pessoas que enviaram mensagens eletrônicas chantageando e ameaçando ativistas sociais e pessoas públicas, como a advogada Janaína Paschoal. A suspeita é que os responsáveis pelo site podem estar de alguma forma associados ao episódio, já que os e-mails continham o nome da mesma pessoa a quem são atribuídos os textos publicados.

"Roubo" de identidade

Quase todos os textos publicados no blog são atribuídos a Ricardo Wagner Arouxa que, segundo a UniCarioca, já estudou na instituição. Em depoimento à Polícia Civil do Rio de Janeiro, Arouxa alegou ser vítima da ação de pessoas que usam sua identidade para prejudicá-lo e se esconder das autoridades.  

Em entrevista à imprensa, o delegado carioca que colheu o depoimento de Arouxa disse que o rapaz é uma vítima dos verdadeiros responsáveis pelo site. A hipótese e os motivos, no entanto, continuam sendo apurados, e a polícia não forneceu mais detalhes.

Apesar da declaração do delegado, Arouxa continua sendo atacado nas redes sociais por causa do conteúdo dos textos a ele atribuídos. Ao tentar conversar com o jovem, a reportagem da Agência Brasil ouviu de seu pai que o nome do filho vem sendo usado indevidamente há, pelo menos, dois anos. E que, desde então, o rapaz teve a vida devassada na internet.

“Os telefones dele foram divulgados na internet, incluindo o daqui de casa. Até ameaça de morte nós recebemos. Divulgaram até o endereço e o telefone do hospital em que ele trabalhava, ameaçando ir lá pegá-lo. Até pessoas famosas ligam aqui em casa procurando por ele, dizendo que vão processá-lo”, contou o pai de Arouxa, que também pediu para que seu nome não fosse divulgado. “Na semana retrasada, policiais estiveram aqui em sua casa e levaram todos os computadores que encontraram”, acrescentou o pai do rapaz, com quem a reportagem não conseguiu conversar. A Polícia Civil do Rio de Janeiro disse que as investigações ainda não foram encerradas e que não comentará o assunto.

Uma das pessoas agredidas em e-mails atribuídos a Arouxa foi a advogada Janaína Paschoal, que participou do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Em setembro de 2017, a advogada revelou estar recebendo e-mails com ameaças a ela e a sua família, além de cobrança de valores em dinheiro para deixá-la em paz.

Após denunciar o caso à Polícia Civil de São Paulo, Janaína conseguiu o telefone do rapaz e entrou em contato com ele. “Ele me disse que estavam usando o nome dele indevidamente. Pareceu-me que os próprios delegados não acreditaram que ele fosse o real culpado, mas nunca mais voltei a falar com ele e estou aguardando o resultado da investigação policial”, contou.

Para a SaferNet, não será nenhuma surpresa se a investigação confirmar que Arouxa teve a identidade virtual roubada e é mais uma vítima de grupos organizados que usam da estratégia de gerar polêmicas e ofender grupos da população, como mulheres, negros e homossexuais, para alavancar os acessos e obter vantagens financeiras. 

A ONG lembra que, em 2012, a PF prendeu duas pessoas, posteriormente condenadas, por divulgação de mensagens com conteúdo discriminatório falsamente atribuídas a uma terceira pessoa. Batizada de Intolerância, a operação também investigou o envolvimento dos criminosos com o autor do chamado Massacre de Realengo, em 2011, no qual um rapaz de 23 anos invadiu a Escola Municipal Tasso da Silveira, no Rio de Janeiro, e matou 12 estudantes, antes de se suicidar.

A organização destaca que as pessoas não devem disseminar mensagens de ódio, pois o justiçamento virtual é uma ação precipitada e que pode levar a graves consequências. 

Apoie o Diário do Litoral
A sua ajuda é fundamental para nós do Diário do Litoral. Por meio do seu apoio conseguiremos elaborar mais reportagens investigativas e produzir matérias especiais mais aprofundadas.

O jornalismo independente e investigativo é o alicerce de uma sociedade mais justa. Nós do Diário do Litoral temos esse compromisso com você, leitor, mantendo nossas notícias e plataformas acessíveis a todos de forma gratuita. Acreditamos que todo cidadão tem o direito a informações verdadeiras para se manter atualizado no mundo em que vivemos.

Para o Diário do Litoral continuar esse trabalho vital, contamos com a generosidade daqueles que têm a capacidade de contribuir. Se você puder, ajude-nos com uma doação mensal ou única, a partir de apenas R$ 5. Leva menos de um minuto para você mostrar o seu apoio.

Obrigado por fazer parte do nosso compromisso com o jornalismo verdadeiro.

VEJA TAMBÉM

ÚLTIMAS

Variedades

Com crise ambiental como tema, banda santista lança álbum 'Terra Terror!'

Lucas Reis, vocalista, guitarrista e líder da Missão Lunar, aponta a inspiração em influências de David Bowie na obra

Santos

Campanha de busca ativa da Tuberculose vai até esta sexta (26), em Santos

Em 2024, Santos contabilizou 116 novos casos de tuberculose. No ano passado, foram registrados 490 casos

©2024 Diário do Litoral. Todos os Direitos Reservados.

Software

Newsletter