Papo de Domingo

Papo de Domingo: O que leva uma pessoa a acumular coisas em casa?

Este tipo de comportamento não é comum e muitas vezes só se sabe da existência dele através de programas de TV que abordam a questão.

Vanessa Pimentel

Publicado em 03/06/2018 às 12:06

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O que leva uma pessoa a lotar a própria casa com objetos que não precisa? / Rodrigo Montaldi/DL

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O que leva uma pessoa a lotar a própria casa com objetos que não precisa, como lixo, pedaços de madeira, comida estragada, ou animais?

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Este tipo de comportamento não é comum e muitas vezes só se sabe da existência dele através de programas de TV que abordam a questão. A demora em conhecer esta realidade acontece porque muitos acumuladores conseguem manter em segredo seus hábitos e a condição de suas casas. 

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Para esclarecer o assunto, esta edição de Papo de Domingo traz uma entrevista com o psicólogo Sebastião Antônio Gonçalves Ambrózio, especialista no assunto.  Ele esclarece a diferença entre as causas da doença, que pode ser originada através do Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) ou, em casos mais graves, pela Síndrome de Diógenes, além do tipo de acompanhamento indicado para cada caso e tratamentos. 

DL – O que é o Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC)? 
Sebastião - O Transtorno Obsessivo Compulsivo, o popular TOC, incide em cerca 2 a 2,5% da população do mundo. É um transtorno relativamente grave que chega a incapacitar as pessoas de trabalhar, estudar e uma das causas do suicídio. 20% das pessoas que apresentam TOC se tornam acumuladoras. As características do TOC são pensamentos obsessivos, intrusivos que vêm repetidamente contra a vontade da pessoa, onde ela se defende com rituais, por exemplo: conferir se fechou a porta de casa dez vezes antes de sair. Conferir uma vez é normal, mas alguma coisa acontece quando essa frequência aumenta. Essas manias também podem desencadear a depressão, até por isso o suicídio é frequente nesses quadros; outras manifestam a acumulação. 

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DL – Quais os primeiros sinais da acumulação?
Sebastião - Começa quando a pessoa tem um objeto e pensa que pode usá-lo algum dia, então guarda. Com o tempo, passa a aumentar a quantidade de coisas guardadas até que o espaço da casa acaba. Todos nós guardamos coisas que, às vezes, não têm nenhuma utilidade, mas trazem um sentido afetivo pra gente. A diferença é que essas coisas cabem numa caixinha, já para quem é acumulador não cabem nem na própria casa, impossibilitando o uso dos cômodos para aquilo que foram planejados. 

DL – É uma doença fácil de notar?
Sebastião – Não, porque na maioria das vezes o acumulador é preservado e solitário. São pessoas que andam na rua normalmente, se comportam normalmente, mas têm uma restrição social porque não querem que ninguém vá a casa delas, ou seja, são críticas ao que estão fazendo, mas se sentem obrigadas a fazer porque são compulsivas.  

DL- Qual a diferença entre TOC e a Síndrome de Diógenes? 
Sebastião – A Síndrome de Diógenes é uma modalidade diferente e mais grave de acumulação porque tem uma associação de problemas neurológicos. É também uma particularidade de pessoas idosas, acima dos 60 anos, ou em quem apresenta algum tipo de demência precoce. Nesses casos, a pessoa apresenta uma degeneração leve no lobo frontal do cérebro, que é a região responsável pelo contato social, julgamento, autocrítica. Por isso, na hora do tratamento, é mais fácil o contato e a entrada na casa de quem tem a Síndrome de Diógenes do que na casa de quem é acumulador compulsivo, porque quem tem o TOC ainda é crítico em relação à situação da sua casa, já quem tem a Síndrome perde este discernimento. 

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DL – O que pode desencadear estes transtornos? 
Sebastião - Nos atendimentos que fiz quase todos os pacientes apresentavam a mesma sequência de vida: eram abatidos por uma perda afetiva grande ou perda de condição social, enfim, uma perda importante para a pessoa. Dessa perda vem a depressão, depois o isolamento e a tentativa da autossuficiência - “sou sozinho então tenho que me bastar”. Quase 60% das pessoas com Síndrome de Diógenes moram sós. 

DL – Tem algum caso que possa contar? 
Sebastião – Uma vez, eu cheguei à casa de uma paciente com Diógenes que guardava dentro da geladeira, há nove meses, uma peça de carne recheada. Perguntei se ela ainda iria consumir aquilo e ela disse que sim porque ainda estava bom. Nesses casos, a situação de higiene das casas é muito pior e acaba ficando conhecida pelos vizinhos por causa do cheiro que exala da residência, dos ratos e baratas, já que o paciente em si não tem discernimento para procurar ajuda.

DL – Dentro da questão ‘acumuladores’, entra também quem tem muitos animais?
Sebastião – Sim, chama-se Síndrome de Noé, aquelas pessoas que acumulam bichos, 50 gatos em casa por exemplo. 

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DL – Pelo que vemos em todos esses casos as condições de higiene quase não existem. Isso pode gerar que tipos de doenças físicas? 
Sebastião - Dermatite, infecção por fungos e bactérias até problemas respiratórios. Existe um estudo espanhol que mostra que a mortalidade em quem tem Diógenes na faixa dos 60 anos é seis vezes superior à mortalidade geral nessa faixa etária. 

DL - Tem cura?
Sebastião - Tratamento. No caso dos acumuladores entra o antidepressivo e a psicoterapia, que ajuda a ressignifcar o valor das coisas. Já em Diógenes a psicoterapia não funciona e a medicação ajuda a diminuir os sintomas, mas não há cura. É muito importante que o trabalho de recuperação seja feito junto à família e até com os vizinhos. Enfatizo que não é um tipo de trabalho que se esgota só na saúde, é preciso envolver outros setores sociais como vigilância sanitária, educação sanitária, saúde mental, bombeiros em caso de incêndio. É importante que os municípios criem uma rede intersetorial porque todo tratamento que se esgota num setor só, é fadado ao fracasso. 

DL - Existe uma pré-disposição para desenvolver TOC ou síndrome de Diógenes?
Sebastião - Existe uma pré-disposição à demência, mas não é ela que define isso. Todos os transtornos psiquiátricos são como um tripé: tem a vertente biológica, que pode ser genético ou advindo de alguma doença, como a meningite; tem o psicológico, que tem a ver com as interações mais próximas, principalmente familiares; e tem os valores sociais, que podem definir completamente os rumos. 

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DL – Como é o processo de retirada das coisas da casa de um acumulador? 
Sebastião - A limpeza, sempre que possível, tem que ser feita com a colaboração do acumulador porque não é só chegar lá e tirar tudo. Para nós aquilo é lixo, para eles é como um tesouro. É preciso negociar com o paciente para que ele não perca a confiança na equipe. 

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