João Vicente Goulart esteve na Câmara que outorgou o título de Cidadão Santista ao seu pai . / NAIR BUENO/DIÁRIO DO LITORAL
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Há versões que os ex-presidentes João Goulart (Jango) e Juscelino Kubitschek (JK) teriam sido assassinados por complôs daqueles que queriam eliminar os inimigos da Ditadura Civil-Militar Brasileira. Jango morreu no exílio na Argentina, em 6 de dezembro de 1976. A versão oficial afirma que ele morreu de problemas cardíacos. Mas uma das teses conspiratórias diz que talvez tenha sido envenenado. Seu corpo não foi submetido a uma autópsia. Em entrevista ao Diário, momentos antes de seu pai ter retomado o título de Cidadão Santista póstumo, na Câmara de Santos, no último dia 2, João Vicente Goulart confessou que também acredita nessa versão.
Diário do Litoral (DL) - O senhor acredita nisso por que?
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João Vicente Goulart - Temos documentos que mostram que todos políticos que tinham envolvimento com meu pai, na Argentina, foram mortos. Todos, inclusive meu pai, estavam formando a resistência à ditadura e uma abertura na América Latina. Morte do pai tem relação com a Operação Condor (aliança político-militar entre países da América do Sul — Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai - com a CIA dos Estados Unidos) para perseguir militantes da esquerda nas décadas de 1970 e 80).
Diário - Há indícios?
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Goulart - Documentos provam que todos os assassinatos não foram orquestrados por subalternos, mas pelo Serviço Nacional de Inteligência (SNI), alto comando das Forças Armadas e Presidência. Um agente esteve dentro do apartamento de meu pai e subtraiu cartas de uma gaveta. Ora, quem subtrai cartas não pode ter trocado um remédio? Evidente que sim. Estive no Chile, junto da Comissão Nacional da Verdade, em que foi relatado que o ex-presidente daquele País, Eduardo Frei Montalva, foi envenenado. Temos declarações de agentes uruguaios. Com a revelação de novos documentos, teremos uma outra história sobre a morte de meu pai.
Diário - Vai demorar para abrir tudo que envolvia a Operação Condor?
Goulart - Era uma cooperativa do terror envolvendo todos os serviços secretos da América Latina. Começou com a troca de informações, depois troca prisioneiros e, por último, extermínio dos adversários políticos aonde eles estivessem. Há três anos eu e minha família estamos pedindo a oitiva de agentes americanos ligados à Operação Escorpião, um braço da Condor. Temos um documento do serviço secreto uruguaio que prova o monitoramento de uma reunião de meu pai, em Bueno Aires. Entramos com o processo de exumação, mas sabemos que essas questões serão difíceis no atual governo brasileiro.
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DL - Faltou debate nas escolas, após a retomada da democracia, para esclarecer o que foi a Ditadura e seus crimes?
Goulart - Em parte, sim. Mas não podemos ignorar o amplo movimento atual da direita, do fascismo, que atinge o mundo. Essa última eleição foi atípica. Houve uma condenação da administração do PT e uma polarização de discursos, aliados às fakes news (notícias falsas) com tecnologia de instituições americanas, como a do Steve Bannon (ex-estrategista-chefe da campanha de Donald Trump, líder da extrema direita mundial e ídolo da família do presidente Jair Bolsonaro).
DL - Há esperança de mudança?
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Goulart - Temos que nos preparar, unir progressistas, pessoas que gostam do Brasil, que querem uma justiça social mais rápida, para encontrar uma solução eleitoral e democrática. Tenho certeza que, como está, daqui a pouco o sufoco e o entreguismo será tanto, que as esperanças individuais serão destruídas. Os gigantes econômicos vão acabar com os pequenos empresários e vão monopolizar o mercado. Temos que repassar a história nas escolas.
DL - Em um governo que odeia Paulo Freire?
Goulart - Quando Jango encomenda a Paulo Freire a reforma da educação brasileira, qual foi o objetivo de Freire? Criar seres humanos identificados antropologicamente com seu país, com sua raça. Hoje, estamos criando entes de mercado, sem nenhum compromisso com sua nacionalidade, com sua soberania, com sua identidade local. Temos que rever as reformas de base adaptadas aos dias de hoje.
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DL - Adaptadas como?
Goulart - Controle da remessa de lucros, proteção de nossas estatais. Jango, antes do Golpe, colocou em funcionamento a Eletrobrás. Temos que controlar nossas empresas estratégicas. Alguém tem que enfrentar os bancos e promover uma reforma bancária. Nenhum governo teve coragem de fazer isso. Nem os populares como os Lula e de Dilma.
DL - Como você analisa as denúncias do Intercept Brasil?
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Goulart - Mostrou a fragilidade do sistema judiciário. Juízes dizendo combater a corrupção, mas se utilizando dela. Não a Lava Jato em si, mas a teoria dela, mostrou-se frágil. Temos que rever nossas instituições. Demoramos 21 anos para reconquistar a democracia, mas os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário se afastaram do povo. Queremos os homens governados pelas leis e não homens governando leis. Juízes não podem usar a lei como bem entendem. Presidentes não podem mais indicar ministros do STF.
DL - Como o senhor vê essa polarização que não acaba?
Goulart - Essa tormenta vai acabar. A esquerda tem que ser mais flexível em suas discussões internas. Jango recebeu o Lacerda (jornalista e político Carlos Lacerda que apoiou o Golpe Militar de 1964 e foi cassado pelos militares) seu maior inimigo para fazer a frente ampla em Montevidéu (Uruguai). Ele dizia: "Antes das divergências, o Brasil. Antes temos que derrubar a ditadura, o arbítrio, o fascismo, o totalitarismo. Depois resolvemos nossas diferenças". As próximas eleições municipais serão importantes e o discurso de ódio pregado pelo atual presidente está em declínio. A entrega do Brasil ao capital internacional já está sendo percebida.
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