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Luiz Eduardo Frin*
Na noite do último sábado, uma ambientação bem cuidada e de causar impacto recebeu o público do espetáculo A História dos Ursos Pandas na Casa da Frontaria Azulejada em mais uma apresentação do Festa 57. O trabalho integra o Projeto Matéi, realização do Teatro Vila Velha de Salvador – BA que, sob a direção artística de Marcio Meirelles, leva à cena cinco peças de Matéi Visniec, dramaturgo romeno nascido em 1956.
O centro da cena é ocupado por um jovem casal que, sem roupas, dorme envolto por tecidos leves e transparentes. Ouve-se uma composição de Alessandro Marcello, compositor que viveu entre os séculos XVII e XVIII e o casal não está sozinho. A cena é observada à distância por três personagens enigmáticas com suas individualidades devidamente preservadas por indefectíveis óculos escuros.
O casal desperta e expõe sua memória difusa ao público, pode-se inferir, mas não se sabe exatamente como se conheceram e o que fizeram até aquele despertar, situação que perturba a personagem masculina que insistentemente, como que para atestar sua masculinidade, pergunta se eles haviam feito amor. A partir daí os dois decidem passar nove noites juntos e se separarem em seguida.
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A união serve como pretexto para o isolamento dos jovens. Afastados do mundo, eles se bastam e não permitem que o exterior interfira em suas vidas. Durante a peça, por diversas vezes as personagens que observam a cena à distância tentam contato com o casal, mas só o que conseguem é deixar recados na secretária eletrônica.
O texto trás uma bela reflexão acerca do isolamento do indivíduo contemporâneo. Absorto por uma relação que pode, inclusive, ser de cada um consigo próprio, o casal se afasta do mundo e da história. A música do passado, os lençóis, os telefonemas, e outras interferências que ocorrem durante a peça são apenas isso: intercorrências que não abalam o pacto do casal de se isolar, ainda que simbolicamente. Ao final das nove noites, o que os espera... A morte? Ou já estariam mortos?
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Curiosamente, a ambientação criada por Marcio Meirelles, a despeito de dotar de elementos atemporais a encenação, dificultou o trabalho do jovem casal protagonista do espetáculo: Fernanda Veiga e Neto Cajado.
Ao optar por utilizar e ressaltar o grande espaço da Casa da Frontaria Azuleja, o encenador expôs a dificuldade dos interpretes principais em acompanhar e valorizar as nuances e as diversas camadas de apreensão do texto de Matéi. O resultado foi uma interpretação, em muitos momentos, monocórdica e insegura. Em defesa dos dois, a sua juventude e a ciência que a apresentação de espetáculos em festivais pode, justamente, auxiliar no processo de aprendizado da técnica da adaptação a diferentes espaços e a diferentes públicos.
*Ator, diretor e professor do Indac-Teatro. Mestre e doutorando em artes cênicas na Unesp sob a orientação de Alexandre Mate.
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