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Bruno Fracchia*
Com ‘Meu quintal é o maior do mundo’, o Teatro Widia apresenta uma obra que une princípios do fazer teatral contemporâneo e práticas tradicionais do universo infantil. A síntese deste encontro surge na demonstração de força que a arte teatral é capaz de ter quando pensada – semelhante ao que os gregos faziam - como espaço social de congraçamento. Talvez o último que nos reste.
A montagem dialoga com a contemporaneidade na recusa a um espectador passivo e na comunicação do universo de Manoel de Barros principalmente de forma sensorial: a ausência de linearidade, os brinquedos artesanais e demais acessórios cênicos, as frases aparentemente sem encadeamento dramático e as pequenas unidades cênicas são alguns dos recursos utilizados neste sentido.
Uma nova relação é proposta ao público quando este é retirado de sua passividade habitual. A plateia se torna também atuante. Momentos líricos ocorrem com a presença de crianças que preenchem o espaço cênico “apenas” para brincar, não se importando se o que acontece é ou não teatro. Num quintal que é o maior do mundo, aos quatro intérpretes se unem tantas crianças quantos possíveis para ajudá-los a contar e cantar Manoel de Barros.
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A escolha pela rua como espaço cênico é uma solicitação do conteúdo para que ele seja transmitido sem didatismo pueril e com coerência. As brincadeiras de rua e de quintal de casa envolvendo crianças e adultos marcam uma espécie de prólogo que instaura o ambiente cênico, contribuindo para que se inicie nos mais velhos um processo de despertar de memórias (“lembranças do tempo de eu, menino”, como diria Manoel Bandeira). A opção pelo Teatro de Rua nesta montagem é um posicionamento estético, poético e político tão firmes que é difícil imaginar esta obra num espaço fechado sem que isso altere radicalmente sua significação artística.
Uma peça para todas as idades, que desperta e provoca inúmeras imagens. E de tantas, fica a de uma pequena menina: aprendendo a andar de skate, ela se cansa, escutar um barulho atrás dela e , ao se virar, enxerga crianças mais velhas pulando corda. Imediatamente hipnotizada, com autorização do pai, ruma a brincadeira, ainda que sem o desenvolvimento suficiente para praticar esta atividade. Mas não faz mal, afinal “a poesia e a verdade a gente aprende com as crianças” (Manoel de Barros).
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*Bacharel em Artes Cênicas pela USP, Bruno Fracchia é ator, professor e dramaturgo.