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Bruno Fracchia*
Com características de um Teatro Pós-Dramático, o Projeto Antrópicos apresentou no dia 04 de setembro, dentro da Mostra Regional do FESTA 57 Nephentes, um exercício cênico performático. O trio de perfomers se destaca no desenvolvimento de uma pesquisa defendida com coragem e vigor, mas que se enfraquece no momento em que a palavra é posta em cena. A expressividade de uma concepção cênica bem definida (recursos de vídeo e iluminação e ações de um teatro de agressão que remetem a determinadas práticas dos anos 70 responde pela unidade da linguagem adotada) não encontra eco nem na Palavra escrita (construída de acordo com modelos facilmente reconhecíveis), nem na Palavra falada. Ao lidar com o verbo, as atrizes perdem a oportunidade de elevar o texto a uma fala expressiva (o estudo do trabalho de atrizes como Júlia Varley, Maria Alice Vergueiro e Juliana Galdino podem acrescentar muito às performers).
Para este autor, escrever sobre Nephentes é conceber uma metacrítica. É que muitos aspectos além da análise estética precisam ser pontuados: é lícito valores ideológicos de um crítico servirem de parâmetro para suas impressões de uma obra? Pensamento estético e ideológico podem ser separados? Ao colocar em cena um peixe vivo e flertar com sua morte e exibir a cabeça de um porco, os perfomers não raciocinam da maneira como a dos homens ocidentais a quem dizem denunciar? Não seria este o caso de uma contradição entre Forma e Conteúdo?
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Por fim, uma questão final: a peça se propõe a despertar a sensibilidade dos espectadores, empregando meios que apelam às sensações negativas (como vídeos e sons de violência contra animais). A utilização destas ferramentas levam às lágrimas alguns dos que se opõem às práticas cruéis denunciadas na apresentação. Mas sensibilidades realmente são despertadas. Os fins justificariam os meios?
Se esteticamente, o experimento atinge seus objetivos, eticamente, as escolhas não podem ser referendadas neste espaço crítico. A cabeça de um porco passando pela cena tende a chocar aqueles que, se não vegetarianos, pelo menos evitam comer carne de porco. Mas aos que com garfo e faca nas mãos se besuntam num leitão, o que pode surgir é apenas o lamento pelo desperdício de um suíno inteiro, impossibilitado de enfeitar uma mesa com uma maçã na boca.
Mas no fim das contas, lendo e relendo estas palavras, o crítico se pergunta: é lícito valores ideológicos de um crítico servirem de parâmetro para suas impressões de uma obra?
Com a palavra, os leitores.
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*Bacharel em Artes Cênicas pela Universidade de São Paulo, Bruno Fracchia é ator, professor e dramaturgo