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Papo de Domingo

Dificuldade em aceitar a morte pode ampliar sofrimento

A psicóloga Maria Julia Kovács, 65, começou a estudar o assunto em 1980 e seis anos depois criou, na Universidade de São Paulo, a disciplina “psicologia da morte” com o intuito de aproximar os alunos do tema.

Vanessa Pimentel

Publicado em 28/01/2018 às 10:45

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Nunca com nenhuma condição de doença se pode dizer que não há nada a fazer. Sempre há muito que fazer , diz a psicóloga. / Tânia Rêgo/Agência Brasil

Mesmo conhecida como ‘a única certeza da vida’, falar sobre a morte costuma ser complicado para a maioria das pessoas. No campo religioso, o acontecimento é visto por muitos como uma passagem. Para os mais céticos, morrer é o fim. Fato é que, independentemente da crença, a vida é finita para todos.

Sendo assim, por que ainda é tabu falar sobre o tema? A psicóloga Maria Julia Kovács, 65, começou a estudar o assunto em 1980 e seis anos depois criou, na Universidade de São Paulo, a disciplina “psicologia da morte” com o intuito de aproximar os alunos do tema. Atualmente é professora do Instituto de Psicologia da USP e Coordenadora do Laboratório de Estudos sobre a Morte (LEM).

Nesta entrevista ela fala sobre questões que rondam o assunto como eutanásia, suicídio, doenças terminais e a prática da distanásia, conhecida como o prolongamento da morte, ou seja, uma atitude médica que, na intenção de estender a vida do paciente terminal, pode submete-lo a grande sofrimento. Essa conduta não prolonga a vida propriamente dita, mas o processo de morrer.

DL – Há 31 anos você discute sobre a morte. Dá para dizer se o interesse dos alunos aumentou ou ainda é tabu?

Maria Julia – Observo que há um maior interesse sobre o tema não só de estudantes da psicologia, mas de outros cursos também. Os interessados superam o número de vagas há vários anos. Tenho atualmente estudantes da área de exatas: engenharia, geologia, matemática. Área de humanas: direito, comunicações, educação, filosofia, jornalismo; E área biológica: biologia, medicina veterinária, só para citar algumas.

DL – Como surgiu a distanásia (morte lenta)? Este prolongamento da morte pode ser visto como algo exigido pelos familiares do paciente devido à dificuldade em aceitar o fim de um ente querido?

Maria Julia – A distanásia surgiu com o desenvolvimento da medicina e da tecnologia, e os médicos podem ou não utilizar o procedimento. Hoje, muitos médicos questionam essa prática. Os familiares têm dúvidas, então entendem que fazer de tudo pode ser o melhor para o paciente, mas, com esclarecimento acabam percebendo que algumas técnicas apenas prolongam o processo de morrer, o que causa muito sofrimento.

DL – Você diz que uma das maiores dificuldades do ser humano é “tratar a morte como uma questão pessoal, considerar o próprio fim”. Mas, quando uma pessoa recebe a notícia, por exemplo, de uma doença terminal, a ideia da morte torna-se diária. Você acredita que é possível lidar com isso de forma leve?

Maria Julia – Cada pessoa tem a sua forma de reagir a uma notícia como essa. A possibilidade de aceitação pode levar um tempo, mas o principal é que o final da vida possa ocorrer com dignidade e menos sofrimento. Se ela puder contar com o empenho dos profissionais de saúde, a aceitação da morte pode se tornar mais fácil. Quem for muito apegado à vida ou com muitos projetos para realizar terá, possivelmente, mais dificuldade de aceitar o fim da vida.

DL – Os familiares e amigos de um doente terminal também parecem não lidar bem com esse período “pré-morte”, se é que podemos chamar assim. É possível sugerir maneiras de conviver com alguém em estado terminal sem tanto sofrimento?

Maria Julia – Em psicologia é muito difícil generalizar. Cada paciente e familiar pode lidar de formas diferentes com o agravamento da doença. O sofrimento vai depender dos sintomas do paciente, do conforto e alívio que se possa oferecer, da comunicação entre seus membros. Se há proximidade, tolerância e cuidados adequados ao paciente e familiares a fase de final de vida pode ter mais dignidade e menor sofrimento.

DL – Você acredita que em casos onde não há mais o que fazer, “prolongar a vida em UTIs é uma praga moderna”. Mas, como saber quando é a hora de parar as intervenções sem ficar com peso na consciência?

Maria Julia – Nunca com nenhuma condição de doença se pode dizer que não há nada a fazer. Sempre há muito que fazer no que diz respeito aos cuidados a um paciente gravemente enfermo. Sempre há alívio e conforto, acolhimento, cuidados de higiene, alimentação, orações, relaxamento e tantas outras coisas sempre devem ser oferecidas. Não há nada mais cruel do que dizer a uma pessoa que não há nada a fazer.

O que é a grande dúvida é quais tratamentos devem ser interrompidos quando não trazem mais benefícios para a pessoa, só prolongam o status quo. Antes de tudo é fundamental ouvir o paciente e os familiares para se pensar junto as melhores condutas. Para um paciente gravemente enfermo a UTI não é a melhor alternativa.

DL – E os cuidados paliativos?

Maria Julia – Cuidados paliativos são formas de cuidados ativos que promovem qualidade de vida e alívio de sintomas com dor, fadiga, dificuldades respiratórias, além de cuidados aos familiares. Sempre temos muito que fazer com pessoas com qualquer doença e idade.

DL – Qual a sua opinião sobre a eutanásia?

Maria Julia – A eutanásia é um procedimento que apressa a morte. Pode ser um pedido de uma pessoa e, se está legalizado, poderá ser executado por um médico. Pessoalmente, eu acredito que há possibilidades na área de cuidados paliativos para alívio e controle de sintomas – para mim será essa a escolha se tiver uma doença grave com múltiplos sintomas. O que pediria seria para que não usassem procedimentos que prolongassem a vida. Esse procedimento hoje recebe o nome de ortotanásia e é um procedimento legalizado também no Brasil, a partir de uma resolução do conselho federal de medicina desde 2006.

DL – Você acredita que as pessoas tem o direito de escolher quando morrer?

Maria Julia – Em minha opinião as pessoas tem o direito de escolher como morrer, com dignidade, sem sofrimento e prolongamento desnecessário. Sobre a hora é um pouco mais difícil. Pessoas podem ter opção do suicídio como escolha pessoal. Como profissional de saúde posso compreender, mas nunca incentivar. O que posso fazer é saber porque a pessoa escolheu se matar. Falar sobre isso pode ajudar a ressignificar, mas se a pessoa decidir se matar ela possivelmente o fará. Esse é o grande sofrimento dos psicoterapeutas que acompanham pessoas com ideação ou tentativa de suicídio.

DL – Estudar o tema te fez enxergar a morte de outro jeito?

Maria Julia – Sim, num certo sentido sim, porque posso me comunicar a respeito, cuidar do meu sofrimento, buscar ajuda.

DL – Popularmente se diz que “sofre mais quem fica do que quem vai”. O que acha disso?

Maria Julia – Não é possível generalizar, mas devemos lembrar que a perda de uma pessoa querida é viver a morte na consciência, o que pode trazer sofrimento adicional. Da nossa morte não teremos consciência. Entretanto, para quem é muito apegado à vida, ter uma doença grave pode causar sofrimento maior do que a perda de uma pessoa querida. que a perda de uma pessoa querida.

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