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Cia Livre apresenta várias camadas dramatúrgicas

A narrativa adapta história da Idade Média para dias atuais. O fato de não vivermos mais na época, não impede que estejamos em plena barbárie, vivendo de modo preconceituoso e intolerante

Publicado em 04/09/2015 às 18:36

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Simone Carleto

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A peça apresentada pela Cia Livre, no último dia 4, no FESTA 57, com texto de Cássio Pires, a partir de processo colaborativo com Edgar Castro e Lúcia Romano e direção de Cibele Forjaz, teve como base ensaio de Michel de Montaigne. Neste, é ditada a história de Marie, que até 22 anos foi conhecida como mulher. Após um esforço físico para saltar, apareceram órgãos viris de Marie, transformando-se em Germain. O argumento dramatúrgico metalinguístico adapta a história para a atualidade. O fato de não vivermos mais na Idade Média, não impede que estejamos em plena barbárie, vivendo de modo preconceituoso, intolerante e violento. Assim, o tema abordado é de total relevância, considerando o extermínio de muitas pessoas que, como é dito no espetáculo, são assassinadas por manifestarem em seus corpos sua opção de gênero em atrito com as convenções e normatização social, como é o caso das transexuais.

O teatro apresenta inúmeras camadas dramatúrgicas (dramaturgia do espetáculo, texto, cena e do ator e atriz), entre outras possibilidades de leitura dos elementos em cena, como é o caso da trilha sonora. Em fricção com a realidade, a narrativa propõe o buraco como metáfora, a partir de recursos de iluminação em composição com o praticável circular, marca registrada do grupo, tornando múltipla a simbologia do(s) orifício(s) e sua relação metafórica e física. Assim, a fábula de Marie é transportada para a atualidade, tendo como protagonista NeoMaria, ao lado de Jonas Cou(i)to.

O ‘canto da sereia’ atrai a curiosidade dos jovens (Foto: Divulgação)

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Inevitavelmente, para ser possível comentar a concepção do espetáculo, seria importante assisti-lo mais vezes, já que a proposição é que os talentosíssimos Edgar e Lúcia possam apresentar as duas personagens: ela (que se transforma n’ele) e ele (que se transforma n’ela). O  prólogo é realizado no saguão, em videoconferência, com projeção em dois ambientes caracterizados com baús-camarins, separados por araras com figurinos. No palco propriamente dito há uma estimativa a partir da possível ideia de escolha: nessa apresentação a maior parte do público desejaria ver o ator assumindo a personagem feminina. O que foi confirmado pelo acaso, no sorteio da carta (por uma jovem do público, pequena parte do qual estava sobre o palco) da Dama de Paus em vez do Cavaleiro de Copas. Outro aspecto importante é que, no palco do Guarany, a proposição cênica que se apresentou em SP em sua estreia no Sesc Belenzinho não pode ser mantida, tendo em vista a quantidade de pessoas e, consequentemente, interferiu na relação estabelecida com o público a partir do palco italiano.

Em grande parte formado por jovens, o público mostrou-se interessadíssimo na forma e temática, como citou um garoto: ‘Estou excitada(o)’, parafraseando o modo como ator e atriz se referem a ele(a) que se transformou em outro(a). Desse modo, o canto da sereia atraiu a curiosidade para a indagação de como seria(m) determinada(s) cena(s), se se a atriz fosse ela transformando-se nele, e o ator fosse ele transformando-se nela. De qualquer modo - a despeito dos aspectos culturais da educação moralizante -, as inúmeras possibilidades de manifestação da opção de gênero e sexual são colocadas em questão:  ‘pobre daquele que é apenas o que é’. Que o exercício de alteridade no teatro seja, como expressado aos microfones fora da arena definida pelo praticável, exemplo do que pode ser vivido na realidade. E que cada um possa aceitar em si aquilo que, em tese, aceita no outro.

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