Em meio a dúvidas, Trump retoma ideia de deportação

"Vamos restaurar nossa soberania! Vamos acabar com a imigração ilegal!"

3 DEZ 2016 • POR • 20h30
Trump reviveu um de seus principais slogans eleitorais, ao dar o pontapé na "USA Thank You Tour" - Associated Press

Ele não diz o nome verdadeiro ("me chama de Martin") nem de onde veio ("põe: América Central"). É dançarino de hip-hop e em 2014, após uma apresentação, foi tomar milk-shake de chocolate "com uma namoradinha".

Um ex dela estava na lanchonete e puxou um canivete. Martin conta que tirou a arma da mão do rapaz e o feriu. Perdeu o "bico" de faxineiro e a ficha criminal intacta. Se depender de Donald Trump, ele estará no primeiro avião de volta a seu país, onde viveu dois de seus 23 anos.

O presidente eleito passou a campanha prometendo expulsar os 11 milhões de imigrantes ilegais nos EUA. Não detalhou como seria a deportação em massa. Só disse saber por onde começar: pelos "até três milhões" de estrangeiros com histórico criminal.

Na quinta (1º), Trump reviveu um de seus principais slogans eleitorais, ao dar o pontapé na "USA Thank You Tour" (comícios para celebrar a vitória). "Vamos restaurar nossa soberania! Vamos acabar com a imigração ilegal!".

Para especialistas, ele apela a uma matemática "com anabolizantes". Segundo o Departamento de Segurança Nacional, há 1,9 milhão de imigrantes com condenações -os "aliens criminosos removíveis", no jargão oficial.
A conta, de 2013, não distingue entre quem está regular ou irregular no país.

"A maioria [57%] é residente legal e cometeu crimes não violentos, como sonegação de impostos, furto ou violações menores com drogas", diz à Folha Marie Provine, professora da Universidade Estadual do Arizona que lançou "Policing Immigrants" (monitorando imigrantes).

Outra questão incomoda Paromita Shah, do Projeto Nacional de Imigração. "A retórica de Trump é confusa. Não ficou claro quais condenações o preocupam. Será perturbador ele não levar em conta se a pessoa vive aqui há décadas, serviu nas Forças Armadas, tem negócio próprio."

Provine lembra o gargalo no Judiciário, o que em tese enfraqueceria a "deportação imediata" defendida por Donald Trump. "O juiz precisa expedir uma ordem. Mas as cortes para imigração têm até dois milhões de casos acumulados, então é improvável que qualquer coisa aconteça logo mais."

Aconteceu relativamente rápido no atual governo democrata, que adotou estratégia similar à do republicano Trump.

Barack Obama priorizou a deportação de imigrantes condenados, inclusive por crimes menores, como transgressões no trânsito, segundo Randy Capps, do Instituto de Políticas para Migração.

A "perseguição" ajudou a fazer de Obama o presidente que mais deportou imigrantes ilegais nos EUA: 2,5 milhões, de 2009 a 2015.

Ao contrário do rapaz do começo desta reportagem, Lundy Khoy não tem problemas em revelar sua identidade. "Sr. Trump: eu sou uma imigrante com uma ficha corrida" é o título de artigo que assinou no jornal "The New York Times".

Ela nasceu num campo de refugiados na Tailândia, após seus país fugiram do genocídio que matou dois milhões de cambojanos no governo comunista de Pol Pot.

A família se mudou para os EUA, onde nasceram os dois irmãos de Lundy. Eles cresceram comendo cereal no café, indo à Disney e vendo os fogos de Quatro de Julho, dia da independência dos EUA.

"Não sou uma cidadã americana, mas sem chance de eu não ser americana."

Em 2000, como tantos calouros na faculdade, ela fez besteira. "Não sou membro de uma gangue nem traficante. Mas temo ter uma ficha corrida."

Lundy foi pega com sete tabletes de Ecstasy, cumpriu três meses numa casa de correção e, por anos de governos democratas e republicanos, viveu sob ameaça de deportação. Em maio, recebeu o perdão judicial do governo da Virgínia. "Imploro a Trump e seus simpatizantes que olhem além dos meus erros."