Incêndio em circo matou 503 há 50 anos

Passados 51 anos, o desastre do Gran Circo Norte-Americano, em Niterói, ainda é discutido na cidade.

27 JAN 2013 • POR • 16h55

A maior tragédia brasileira decorrente de um incêndio aconteceu na tarde de 17 de dezembro de 1961 em Niterói, então capital do antigo Estado do Rio de Janeiro. Oficialmente, morreram 503 pessoas. Pelo menos mil ficaram feridas, grande parte delas com queimaduras gravíssimas. Cerca de 70% dos mortos eram crianças.

Passados 51 anos, o desastre do Gran Circo Norte-Americano ainda é tema discutido na cidade. Há questionamentos sobre o número real de vítimas, que poderia ser ainda maior, e sobre a autoria, creditada pela polícia a um empregado que, demitido do circo, teria se aliado a dois mendigos para incendiar a lona.

Havia, de acordo com a crônica da época, pelo menos 2.000 pessoas sob a lona do Norte-Americano quando o fogo começou. Inflamável, a cobertura caiu sobre a multidão em pânico, o que certamente impediu que centenas de espectadores escapassem pela única e estreita saída.

As labaredas arderam por dez minutos. Apagadas, revelaram um cenário jamais visto em uma cidade pacata, com não mais do que 250 mil habitantes: corpos calcinados espalhados às centenas pelo terreno onde até minutos antes funcionara um circo. Ao redor, agonizantes imploravam atenção e socorro.

Para agravar ainda mais o quadro, a rede hospitalar da capital fluminense estava semiparalisada por uma greve que já durava 20 dias. O Hospital Antônio Pedro foi reaberto emergencialmente.

Um dos médicos envolvidos no atendimento aos queimados, o clínico Marcio Torres relembra um episódio que o marcou. Ele estava no quinto andar do Antônio Pedro, sozinho com pacientes moribundos, quando reparou na entrada de um homem de terno, que, chocado com o que via, desatou a chorar.

Com 26 anos na época, Torres chegou a pensar que, por uma desatenção da triagem, o parente de um ferido conseguira chegar à enfermaria. Ao aproximar-se, o médico descobriu quem era o visitante: o então presidente da República, João Goulart.

"Eu atendia na enfermaria quando vi chegar um senhor cambaleante Ele se abaixou na mesa e começou a chorar que nem criança. Só depois vi que era o Jango. Não era um choro demagógico, fabricado para câmeras. Ele estava só, nem tinha me visto. Não trocamos palavra. Eu o peguei por um braço, o bispo de Niterói chegou e o pegou pelo outro, e o ajudamos a deixar a enfermaria", rememora o clínico, que completa hoje 78 anos.

Lenir Ferreira, de 77 anos, perdeu o marido e os filhos de 2 e 3 anos no incêndio. Estava grávida. Também perdeu a criança que nasceria. Passou nove meses hospitalizada. Traz cicatrizes espalhadas pelo corpo. Por ter perdido parte do couro cabeludo, ainda hoje usa peruca.

"Já vivemos isso. Essa tragédia no Rio Grande do Sul me fez lembrar tudo o que passamos em Niterói. Lembro bem que quando o fogo do circo apagou, apareceu um soldado que gritou: 'Quem está vivo aí, levanta a mão'. Consegui levantar o braço com muita dificuldade. Não consigo esquecer", disse ela.

Outro sobrevivente é o coronel Mário Sérgio Duarte, ex-comandante-geral da Polícia Militar (PM) do Rio. Ele tinha quatro anos. Ao ver o fogo na lona, avisou ao pai e à irmã, mais velha um ano. Os três fugiram por um buraco escavado no chão.

"Quando a lona caiu sobre todo mundo, meu pai não deixou que eu e a minha irmã olhássemos para trás", rememora.