Vereadora trans é impedida de assumir vaga na Câmara

Vendedora ambulante quer representar a população que lhe concedeu 716 votos

19 MAI 2022 • POR Carlos Ratton • 08h00
Pauleteh não se conforma com a decisão da Câmara em não permitir que ela assuma o mandato - Divulgação

Ela é uma transexual negra, nordestina, que trabalha desde os sete anos de idade e que, diante de todas as adversidades que a vida lhe proporcionou, está sendo obrigada a entrar na Justiça para garantir um direito constitucional: representar a população que lhe concedeu 716 votos na Câmara de Vereadores de São Sebastião, Litoral Norte de São Paulo.

Aos 27 anos, a ambulante e vereadora suplente Pauleteh Araújo, do Partido Progressista (PP), que obteve a 16ª maior votação dentre os 267 candidatos que concorreram no Município, ingressou com um Mandado de Segurança, com pedido de liminar (decisão provisória e imediata), para obrigar o presidente da Câmara, José Reis de Jesus Silva, a lhe dar posse no lugar do vereador Daniel Simões, que se encontra licenciado por 30 dias.      

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Em entrevista exclusiva ao Diário, Pauleteh revelou toda a sua decepção com a Casa de Leis que, como a própria atribuição lhe faz jus, deveria não só garantir a lei municipal, como a maior delas, a Constituição Brasileira.

“Acredito que isso acontece por medo do que eu represento. Pela minha postura ativa e destemida. Também acredito que seja sim um caso de transfobia, já que eu sou a travesti mais votada da história da cidade e a primeira a ocupar o legislativo”, desabafa.

Pauleteh lembra que o Brasil ocupa o 1° lugar no ranking de assassinatos de pessoas trans no mundo. Revela que travestis e transexuais são excluídas do mercado de trabalho e, muitas das vezes, são obrigadas a recorrer à prostituição como única forma de sobrevivência.

“O ato do presidente da Câmara, de negar que uma travesti ocupe um espaço que é legalmente seu, apenas contribui para a manutenção deste sistema que nos exclui, nos inviabiliza e nos mata”, dispara.

LUTAS.  
Questionada sobre suas principais lutas, Pauleteh revelou que, como parlamentar, irá se pautar em defesa da juventude, da educação, pelo fortalecimento do movimento negro e LGBTQIA+, movimentos sociais e artísticos, e por toda população sebastianense. “Irei honrar o meu eleitorado, mas irei legislar para melhorar a qualidade de vida de todo cidadão e cidadã. Sem distinções”.

DESCUMPRIR.
Conforme revelado, apenas quando chegou a vez de Pauleteh assumir, a Presidência da Câmara decidiu descumprir uma norma municipal em plena vigência. A dupla de advogados que representa Pauleteh, Maira Machado Frota Pinheiro e Gabriel Pereira Mendes Azevedo Borges, informa à Justiça que sua cliente preenche todos os requisitos legais para ser empossada vereadora, conforme preconiza a Lei Orgânica do Município e revela que o presidente da Casa estaria cometendo ‘ato omissivo ilícito’ ao negar empossa-la.

“Verificadas as condições de existência de vaga, não poderá o presidente negar posse à vereadora suplente, sob nenhuma alegação, salvo a existência de caso comprovado de extinção de mandato”.

Além disso, os advogados lembram que a negativa  contraria o interesse público, pois o Legislativo está com sua composição incompleta, prejudicando funcionamento parlamentar, “além de violar o princípio da representação proporcional do povo, previsto no artigo 45 da Constituição Federal”.

OFÍCIO.
A luta de Pauleteh já ultrapassou as fronteiras de São Sebastião. Semana passada, a vereadora paulista Erika Hilton, que preside uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga violência na Capital contra pessoas trans e também a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Paulistana, fez um vídeo de apoio à suplente de São Sebastião.

Também encaminhou um ofício ao presidente da Câmara da cidade litorânea. “Não há justificativa legal para que Pauleteh não assuma a cadeira vaga que lhe é de direito. Sendo de fundamental importância, para tanto, a observância dos princípios administrativos da legalidade e da impessoalidade. Em um momento onde o Estado Democrático de Direito tem sido violado constantemente, é fundamental que Pauleteh seja nomeada e tome posse do cargo de vereadora durante os 30 dias”, escreveu.

Erika é também negra, trans e foi a mulher mais bem votada em 2020 em todo o país, a mais votada do PSOL e é a primeira trans eleita para a Câmara paulistana, com mais de 50 mil votos. Também é ativista dos Direitos Humanos, na luta por equidade para a população negra, no combate à discriminação contra a comunidade LGBTQIA+ e pela valorização das iniciativas culturais jovens e periféricas.

Ontem, o Diário tentou ouvir a Direção da Câmara, que não se manifestou sobre a questão até o fechamento desta edição.