Single póstumo de Marília Mendonça revive dificuldade de exportar música sertaneja

A primeira música em espanhol de Marília Mendonça, "Amigos con Derechos", que acaba de ser lançada nas plataformas de streaming, revive uma discussão antiga entre a indústria musical

17 DEZ 2021 • POR • 19h43
Marília Mendonça morreu no dia 5 de novembro em um acidente aéreo - Divulgação

A primeira música em espanhol de Marília Mendonça, "Amigos con Derechos", que acaba de ser lançada nas plataformas de streaming, revive uma discussão antiga entre a indústria musical -a dificuldade de exportar o sertanejo.

A canção, sobre as frustrações de uma amizade colorida, é fruto de uma parceria de Mendonça, morta há um mês e meio, com Dulce María, ex-atriz de "Rebelde", uma novela mexicana que fez sucesso entre crianças e adolescentes nos anos 2000.

Leia Também

Marília Mendonça é artista brasileira mais ouvida no Spotify em 2021

Filha do piloto do avião de Marilia Mendonça quer processar Cemig por acidente

Exames em avião de Marília Mendonça seguirão protocolo internacional

Se estivesse viva, Mendonça não seria o primeiro nome do sertanejo a tentar cruzar as fronteiras. No início dos anos 1990, a dupla mais emblemática do gênero, Chitãozinho & Xororó, tentou se lançar no exterior, começando pela América Latina.

Faça parte do grupo do Diário no WhatsApp e Telegram.
Mantenha-se bem informado.

Com sucessos como "Guadalupe", Chitãozinho & Xororó abasteceram trilhas-sonoras de novelas em espanhol e chegaram ao topo da principal parada musical latina -a Hot Latin Singles, da revista Billboard-, posição que Roberto Carlos tinha sido o único brasileiro a alcançar.

A dupla trilhou um caminho que, ano após ano, seus contemporâneos tentam seguir sem sucesso. Não funciona nem quando tentam verter suas composições para o espanhol, como fez a dupla Victor & Léo, nem quando se distanciam do gênero e fazem parcerias com nomes já estabelecidos no mercado latino, caso de Luan Santana, que gravou com Enrique Iglesias.

Há exceções. É o caso de "Ai se Eu te Pego", de Michel Teló, que viralizou há dez anos, quando Cristiano Ronaldo, um dos maiores jogadores de futebol do mundo, à época com a carreira ainda em ascensão, dançava o hit em campo ao marcar um gol.

A música era alavancada pelos jornais estrangeiros, que tentavam explicar ao público de onde vinha a dancinha do jogador, que ainda passou a ser reproduzida por outros astros do futebol e de outros esportes.

Mas por que será que Teló, assim como Chitãozinho & Xororó, não transformou um hit que se popularizou mundo afora numa carreira internacional?

É uma dúvida que ressurge com o lançamento de "Amigos con Derechos". Embora tenha sido María que convidou Mendonça para o dueto, a sertaneja já publicava nas redes sociais versões em espanhol de seus maiores sucessos, estudava espanhol semanalmente e marcava shows no exterior, indicando a vontade que tinha de cruzar as fronteiras.

Mas será que, se estivesse viva e de fato tivesse essa vontade, Mendonça seria bem-sucedida ao se lançar no mercado latino? Será que, vertidas em espanhol, suas letras seriam cantadas a pleno pulmão por multidões em países como o México?

Segundo jornalistas e pesquisadores que se debruçam há anos sobre a indústria musical, é uma pergunta cuja resposta dependeria muito mais da cantora do que da música.

Especializada na cobertura do cenário musical latino-americano, Mariana Cananda diz que, embora seja distante de ritmos dançantes como a bachata e o reggaeton, a sofrência da qual Mendonça era a rainha encontra paralelos noutros ritmos latinos de sucesso, como o bolero de Luis Miguel e a ranchera de Vicente Fernández.

"São ritmos com letras fortes -sobre amor, tristeza e decepções-, que poderiam ter um diálogo [com o trabalho de Mendonça]", diz a jornalista, que escreve para o portal Hits Perdidos e para a página Rádio Color, no Instagram.

Ocorre que o sucesso de uma música não depende só da sonoridade, principalmente na era em que canções são criadas para viralizar a partir de dancinhas e desafios no TikTok. É o que lembra o jornalista André Piunti, autor do livro "Bem Sertanejo", que narra a trajetória de Michel Teló com "Ai se Eu te Pego".

"Chance de fazer sucesso no exterior a Marília teria, mas ela precisaria ir além de lançar uma música. Teria que abrir mão de ser uma grande artista no Brasil para baixar a bola e começar do zero lá fora. Teria que ir morar num país como o México, ou pelo menos passar alguns meses do ano lá, para fazer uma social com compositores, gravadoras e até outros cantores."

É o que os sertanejos como Teló e Victor & Léo não quiseram fazer, diz Piunti, por não quererem abrir mão do conforto e do sucesso -ou seja, do dinheiro- que tinham garantido no Brasil.

É uma trajetória diferente, o jornalista ainda diz, da de Anitta, que tem feito sucesso na América Latina, onde faz parcerias com nomes de peso, como Maluma e J. Balvin.

Além de ter esculpido sua carreira no funk, o gênero brasileiro que mais faz sucesso no exterior, e ter se enveredado pelo pop, que também arrasta multidões mundo afora, diferentemente do sertanejo, Anitta se dispõe a sair do país para encontrar seu espaço -não para fazer shows para brasileiros, mas para marcar presença e manter contato próximo com figuras importantes do mercado.

"A Anitta faz isso porque o dinheiro dela não vem só de show. Na verdade, vem mais de publicidade e de outras apostas. É diferente dos sertanejos, porque a renda deles vem praticamente toda de shows. Para eles, é difícil abrir mão de dezenas de shows para ir para fora fazer uma aposta que ninguém sabe se vai dar certo", diz Piunti.