Telemedicina: ela veio para ficar?

Para especialistas, consultas a distância são prática sem volta e vieram para tornar mais acessíveis os serviços de saúde

4 DEZ 2021 • POR • 22h16
Pesquisa revela que sete entre dez pacientes estão satisfeitos com a telemedicina - Divulgação

Pesquisa recente do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (SindHosp) revela que sete entre dez pacientes estão satisfeitos com a telemedicina, a jornalista Silvia Rossetto, moradora de Moema, na zona sul de São Paulo, é uma dessas pessoas. Ela conta que passou a se consultar a distância, após a pandemia de Covid-19.

“Antes da pandemia, eu nunca tinha feito consulta on-line, a primeira vez foi depois da chegada do SARS-CoV-2. Eu me consultei com vários especialistas, mas a consulta que considero mais importante foi com o dermatologista. Por meio da teleconsulta, ele conseguiu identificar que um sinal na minha pele requeria maior averiguação e, depois, confirmamos de que se tratava de um melanoma. Eu me tratei e deu tudo certo, mas o episódio serviu para eu ver que a telemedicina funciona”, conta.

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Assim como Silvia, muitos brasileiros nunca tinham tido contato com a telemedicina antes da emergência sanitária causada pela Covid-19, e, apesar de ter havido um aumento expressivo neste tipo de consulta, o potencial de crescimento para os próximos anos é grande e é uma das pistas de que a telemedicina e os serviços de teleconsulta, em geral, vieram para ficar.

“É um caminho sem volta. A pandemia do coronavírus acelerou o uso tanto no Brasil como no mundo. Para se ter ideia, um levantamento da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) mostra que em abril deste ano foram registradas 2,8 milhões de teleconsultas, número 14,4% maior que o de março. A associação, no entanto, reúne operadoras de planos de saúde que contam com cerca de 9 milhões de beneficiários, enquanto o número total de usuários com planos de saúde fica perto dos 47 milhões, de acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS),  isso mostra que o uso da telemedicina por parte dos brasileiros pode ser maior”, explica Rodolfo Balogh, diretor médico da Vibe Saúde.

Benefícios
Além do potencial, os benefícios gerados pelas consulta a distância também contam pontos para que a telemedicina continue em uso depois que a pandemia passar. Entre os pontos positivos da prática, Rodolfo destaca a facilidade de acesso e a democratização dos serviços de saúde.

“O Brasil tem 2,4 médicos a cada mil habitantes, uma taxa similar a do mundo desenvolvido. Porém, esses profissionais estão concentrados nas grandes capitais, especialmente nas regiões Sul e Sudeste. Com isso, certos tipos de atendimento, sobretudo os mais especializados, simplesmente não chegam em todos os cantos do país. Ou seja, medicina digital é um caminho sem volta e também é uma ferramenta de redução das desigualdades”, argumenta.

O neurocirurgião Marcelo Valadares, de São Paulo, concorda com Rodolfo e já vê na prática, a facilidade de acesso acontecer. “Hoje, cerca de 30% das minhas consultas são on-line e, acredito inclusive, que o número de pacientes deve crescer gradativamente nos próximos meses, pois a telemedicina permite que os médicos atendam não só pacientes que preferem evitar a exposição a uma clínica médica por medo do coronavírus, mas também que tenham mais acesso a pacientes distantes, ou com alguma restrição de mobilidade. Eu, por exemplo, tenho pacientes do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, que buscavam um médico com a minha especialidade, mas não encontraram por perto com facilidade”, conta Marcelo.

Vai ficar mais barato?
Ainda que muitos profissionais do setor de saúde ressaltem que a telemedicina pode contribuir para aumentar o acesso da população aos serviços de saúde, muita gente ainda se pergunta se ela também pode diminuir as desigualdades no acesso a esses serviços, tornando, inclusive, os custos mais baratos.

Rodolfo diz que ainda é cedo para falar se haverá uma queda nos valores de consulta, por exemplo, mas garante que a telemedicina irá facilitar a vida das pessoas.  “Em um país de dimensões continentais como o Brasil, no qual apenas um quarto da população pode pagar por atendimento médico privado, as plataformas de saúde digital são uma forma acessível de garantir atendimento de qualidade a setores da população que ainda não contam com uma infraestrutura hospitalar completa, geralmente restrita aos grandes centros urbanos. Porém, afirmar que a capilaridade está direcionada a preço, ainda não é possível. O que podemos afirmar, no entanto, é que ela chegou para permitir o acesso aos que não contam com um serviço especializado e para facilitar a vida da população.”

A reumatologista Cristina Ellert Salomão, por outro lado, pensa que pode sim haver alguma redução de custos com a telemedicina. Porém, ela destaca que a consulta a distância deve ser utilizada para questões mais simples. “Sempre quis atender por telemedicina. Com a pandemia, percebi que o CFM (Conselho Federal de Medicina) seria forçado a liberar essa modalidade de atendimento, e pretendo continuar posteriormente, principalmente para pessoas que moram em regiões nas quais não há reumatologista, além de atender também todos os retornos por teleconsulta. Creio que além da comodidade, há a vantagem da economia. Em uma cidade grande como São Paulo, com trânsito complicado, estacionamentos caros e aluguéis caros, poder atender e ser atendido em casa é um privilégio”, diz.

Fique de olho
Os especialistas ouvidos pela Gazeta lembram que a telemedicina não veio para substituir o atendimento presencial, que é imprescindível em muitos casos. Porém, ela deve facilitar a vida das pessoas.

Dessa forma, na hora de procurar por um atendimento a distância lembre-se de tomar alguns cuidados, como verificar se o registro do médico (CRM) está ativo, observar a qualidade do atendimento oferecido, bem como se o médico ou a plataforma de consulta garantem o sigilo nos atendimentos, referências, e outras informações relevantes.

O que diz a lei
Segundo o advogado Gustavo Palheiro, sócio do escritório Ernesto Tzirulnik Advocacia, por conta da pandemia do novo coronavírus, foi promulgada a lei 13.989/20, que permite o uso da telemedicina em caráter emergencial. De acordo com essa lei, “o médico deverá informar ao paciente todas as limitações inerentes ao uso da telemedicina, tendo em vista a impossibilidade de realização de exame físico durante a consulta”, explica.

No que diz respeito à proteção dos dados do paciente, Gustavo esclarece que, ganham relevância, dependendo do caso, os seguintes direitos do paciente na telemedicina: “confirmação da existência de tratamento e do acesso aos dados; correção, anonimização, bloqueio ou eliminação dos dados; portabilidade; desindexação ou eliminação dos dados; informação sobre o compartilhamento de dados; consentimento livre e informado; revisão de decisão automatizada (art.18, LGPD); dentre outros.”

Por fim, ressalta o profissional, no caso de reembolso dos planos de saúde, se a cobertura estiver pactuada em contrato ou for obrigatória pelo Rol de Procedimentos e Eventos de Saúde, a operadora não poderá se negar reembolsar o beneficiário em razão do meio digital que viabilizou o atendimento não presencial.