Artigo - Desastres acontecem

Todos os dias choramos sabendo que pandemias acontecem, mas que podem ser contidas com ciência, isolamento, máscara, vacina, planejamento.

20 MAR 2021 • POR • 10h20
Francisco Marcelino, jornalista, escritor e professor - DIVULGAÇÃO

Por Francisco Marcelino

Acidentes acontecem. Em 2007, um avião da Tam vindo de Porto Alegre não conseguiu pousar em Congonhas por causa da chuva. O mais grave acidente aéreo ocorrido dentro do espaço brasileiro deixou um saldo de 198 mortos. Menos de um ano antes, um Boeing da Gol caiu em Mato Grosso, levando a vida de 154 passageiros e tripulantes. Para não citar apenas companhias nacionais, em 2009, um Airbus da Air France com 228 pessoas a bordo caiu no meio do Atlântico três horas após decolar do Galeão.   

Acidentes acontecem, mas investigações mostraram como as três quedas poderiam ter sido evitadas.

Incêndios acontecem. No fim de 1961, o Gran Circo Norte-Americano pegou fogo durante o espetáculo. O saldo foi terrível: mais de 500 mortos. Nos anos 70 em São Paulo, os incêndios dos Edifícios Joelma e Andraus mataram mais de 200 pessoas. Muitos devem se lembrar do incêndio na Boate Kiss em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, em 2013. Foram 242 mortes, a maioria universitários. 

Incêndios acontecem, mas em três dos quatro casos houve falha humana e negligência. Um deles, o do Grand Circo, foi um ato criminoso.

Desastres ambientais também acontecem. Num intervalo de quatro anos, barragens de detritos minerais em Brumadinho e Marina, Minas Gerais, se romperam, matando cerca de 250 pessoas e deixando milhares de desabrigados. Nos anos 80, em Goiânia, catadores encontraram um aparelho de radioterapia numa clínica abandonada. Para aproveitar o chumbo do aparelho, eles romperam uma cápsula onde havia césio-137. Quatro pessoas morreram um mês depois de ter contato com o material. Entre elas, uma criança que foi enterrada em um caixão lacrado com chumbo por causa da radiação. O número total de vítimas é incerto. Mais de mil pessoas foram (e ainda são) afetadas pelo césio. 

Desastres acontecem, mas não se abandona um aparelho com material radioativo e barragens devem ser vistoriadas e mantidas por seus proprietários. 

Esses incidentes contêm um tanto de falha humana ou mecânica, negligência e descaso, entre outros, e poderiam ter sido evitados ou ter seus impactos reduzidos se procedimentos básicos tivessem sido seguidos. E o pior: o total de vítimas desses incidentes é gigantesco, mas não chega ao número de vítimas diárias de Covid-19 no Brasil nas últimas semanas. 

Agora no nosso país, CADA DIA choramos pelos que morreram nos acidentes da Gol, da Tam e da Air France, nas barragens em Mariana e Brumadinho, em Goiânia pelo Césio, nos incêndios na Boate Kiss, no Joelma, no Andraus. Todos os dias agora choramos essas tragédias combinadas e mais um pouco de gente que se foi. 

Todos os dias choramos sabendo que pandemias acontecem, mas que podem ser contidas com ciência, isolamento, máscara, vacina, planejamento.

Choramos hoje e cobramos. Aliás, cobraremos amanhã também.

Francisco Marcelino, jornalista, escritor e professor