Artigo - Miséria em qualquer canto

Enquanto o dólar e os preços dos alimentos, do gás e da gasolina disparam, brasileiros sucumbem aos milhares à Covid-19

14 MAR 2021 • POR • 10h10
Francisco Marcelino, jornalista, escritor e professor - DIVULGAÇÃO

Por Francisco Marcelino

No Brasil, a miséria é tão imensa que nós a conhecemos antes mesmo de conhecer a palavra. Ela está por todos os lados do território. Ou, para lembrar os Titãs, “em qualquer canto”. Desde menininho ou menininha, reconhecemos a miséria no esgoto a céu aberto, na falta de comida, nas palafitas, no emprego precário, no ensino de má qualidade. E, agora, nos leitos que faltam para ajudar os que lutam contra a Covid-19. 

E se a miséria já era imensa no nosso país, o governo Bolsonaro se esforça dia e noite para que ela tome todo o território nacional. Enquanto o dólar e os preços dos alimentos, do gás e da gasolina disparam, brasileiros sucumbem aos milhares à Covid-19. Faltam leitos, vacinas, testes, oxigênio. Sobram negacionismo, charlatanismo, guerra cultural. Se antes o nosso país se orgulhava das reservas naturais que criávamos, num futuro não muito distante, talvez vejamos reservas de miséria sendo aprovadas de Norte a Sul, de Leste a Oeste pelo Congresso. 

Serão reservas onde comida, saúde, segurança, educação não poderão entrar. Nelas, não haverá tampouco esgoto ou água encanada. Nossas reservas de miséria serão do tamanho de alguns países europeus. Em algumas regiões do Brasil, já são... A diferença é que no futuro as nossas reservas de miséria serão protegidas: ninguém poderá entrar ou sair do território miserável sem a devida autorização do IMIAB, ou o Instituto da Miséria Absoluta, cujo presidente será do centrão. 

No projeto de miserê total adotado pelo presidente Jair Bolsonaro, vale tudo para se manter no poder, vale até mesmo negar o negacionismo. Assim, esta semana, com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva liberado para o pleito de 2022, o mandatário atual se apresentou de máscara e defendeu a vacina. Seus filhos saíram em sua defesa. Flávio Bolsonaro, por exemplo, pediu para os seguidores divulgarem a mensagem “Nossa arma é a vacina”. Com tanto altruísmo da parte do Senador, logo, ele inaugurará um posto de vacinação numa casa com vista para o Paranoá. 

O problema dessa arma é que ela não existe. Não há vacina para todo mundo, assim como não haverá leitos para todos os doentes. Não há nem mesmo a vacina que Bolsonaro criticou, a CoronaVac. As poucas doses de vacina que temos é em grande parte graças ao governo do Estado de São Paulo.

As previsões para as próximas semanas são péssimas, como sabemos. E depois disso, teremos essa conta para acertar, a da miséria. A pandemia nos dará uma geração de desnutridos com grandes déficits de aprendizagem. As crianças não aprenderam nada durante esse ano fora da escola e ainda ficaram sem a comida da cantina.

O Brasil é o país desse futuro que nunca vem. No fundo, o Brasil é o país da miséria... em qualquer canto.

Francisco Marcelino, jornalista, escritor e professor