Artigo - A Casa da Morte em Petrópolis

Algumas cidades entraram para a história pelos crimes que ali ocorreram

20 FEV 2021 • POR • 08h28
Francisco Marcelino, jornalista, escritor e professor - DIVULGAÇÃO

Por Francisco Marcelino

Algumas cidades entraram para a história pelos crimes que ali ocorreram. Vichy, que foi a capital do governo colaboracionista do Marechal Philippe Pétain durante a Segunda Guerra Mundial, talvez seja o maior exemplo daqui da França de cidade assombrada por seu passado. Milhares de judeus franceses e estrangeiros foram deportados pelo governo de Vichy para campos de concentração. Entre eles, muitas crianças. Vichy, uma linda estância termal à beira do rio Allier, tenta até hoje superar esse estigma. 

No Brasil, Petrópolis, na região serrana fluminense e onde foi preso esta semana o Deputado Federal Daniel Silveira (PSL), é um exemplo. A cidade do marombado ex-policial Silveira abriga a Casa da Morte. Lá, dezenas de brasileiros foram torturados e mortos na década de 1970. A história do local só veio a público porque uma única presa conseguiu escapar viva dali: a historiadora Inês Etienne Romeu (1942-2015), que mais tarde viria a dirigir o Arquivo Público do Estado de São Paulo. Durante três meses, ela foi torturada e estuprada por integrantes das Forças Armadas. 

O deputado, que é natural de Petrópolis, foi preso após postar um vídeo em que pedia o fechamento do Supremo Tribunal Federal e fazia uma apologia ao AI-5, o ato institucional de 1968 da ditadura militar que fechou o Congresso Nacional, estabeleceu a censura e institucionalizou a tortura à qual foi submetida a historiadora e milhares de brasileiros. Diferente do deputado, vários cidadãos de Petrópolis são um exemplo na luta pela democracia. Há quase uma década, a cidade tenta tombar o imóvel para transformá-lo num centro de memória. 

O nazismo é outra sombra do passado de Petrópolis. A Casa da Morte foi cedida aos militares pelo proprietário, Mario Lodders, que a herdou do pai, o alemão Ricardo Lodders (o nome foi abrasileirado). Durante a Segunda Guerra, o Lodders pai foi preso sob a suspeita de espionagem ao operar um rádio em outra casa dentro da propriedade. Ganhou a liberdade depois da guerra e retomou o imóvel. Abrigando muitos imigrantes alemães, nas décadas de 1930 e 1940, Petrópolis contava com centenas de simpatizantes nazistas. 

E foi essa cidade repleta de nazistas, que um dos maiores escritores do século XX, o judeu austríaco Stefan Zweig, escolheu para se abrigar. O amor de Zweig pelo Brasil era tanto que ele escreveu o ensaio que viraria uma das nossas alcunhas: Brasil, o país do futuro. Mas o avanço da Alemanha nazista pela Europa e a Rússia levou Zweig a uma grande depressão. Em 1942, ele e a mulher Lotte se mataram em Petrópolis.  

Petrópolis já abriga o Museu Imperial e a Casa de Stefan Zweig, mas o centro de memória na Casa da Morte será fundamental para que atrocidades semelhantes ou ameaças como a do deputado não se repitam. 

Francisco Marcelino, jornalista, escritor e professor