Artigo - O grito do desamparo

A França vive uma explosão da precariedade e dos distúrbios psicológicos entre os universitários

13 FEV 2021 • POR • 10h10
Francisco Marcelino, jornalista, escritor e professor - DIVULGAÇÃO

Por Francisco Marcelino

Com dois confinamentos e um toque de recolher que já dura dois meses, a França, onde eu moro, está conseguindo controlar a epidemia de coronavírus. Os números diários e óbitos e novos casos se mantêm estáveis há semanas enquanto a economia funciona parcialmente. No entanto, essa aparente calma esconde outro estrago do novo coronavírus: a explosão da precariedade e dos distúrbios psicológicos entre os universitários. 

A França tem hoje uma população universitária de 2,7 milhões de alunos entre cursos de graduação e pós-graduação. Cerca de 300 mil são estrangeiros. A maioria dos estudantes vive longe da casa dos pais em quartos apertados com apenas um fogão elétrico de duas bocas e uma ducha. O vaso sanitário é coletivo. 

Uma pesquisa do Centre nationale de ressources et de résilience, ou CN2R, que estuda traumas psíquicos, aponta que 11,4 por cento de 69 mil alunos tiveram ideias suicidas durante o primeiro confinamento, entre março e abril do ano passado. São estudantes com idade média de 20 anos. É alarmante. Dos jovens ouvidos, mais de 7 mil pensaram em se suicidar. 

O que perturba esses jovens? A lista é grande. Muitos dependem de uma renda extra para sobreviver, como vendedor de lojas ou babá, mas esses trabalhos minguaram com o confinamento. Com isso, a alimentação se restringe a uma refeição diária e eles não têm dinheiro para voltar para a casa dos pais. Para piorar, devido ao alto custo da moradia na França, muitos vivem em locais precários. Há outros fatores ainda, como histórico de doenças psiquiátricas, falta de atividade física, rede de amizade restrita. E no meio de tudo isso, o consumo exagerado de informação ou a baixa qualidade da informação recebida.  

Embora não haja ainda uma pesquisa sobre os suicídios na França durante a pandemia, a cada tanto, ouve-se nos noticiários um caso. No dia 8 de janeiro, um estudante de direito se jogou pela janela da sua residência em Lyon. Sobreviveu, mas ficou em estado grave. Quatro dias depois, na mesma cidade, o Corpo de Bombeiros impediu uma jovem de seguir os passos do colega. No dia seguinte, em Paris, uma estudante de medicina na Sorbonne se matou dez dias depois de completar 18 anos. Montpellier e Toulouse, entre outras cidades, também tiveram suicídios de estudantes. 

Uma hashtag foi criada para alertar a condição de vida dos estudantes: #lesetudiantsfantomes. Comerciantes, associações e até grupos de professores têm organizado doações de alimentos e itens de primeira necessidade. As filas são imensas. No Twitter, os estudantes denunciam a precariedade das moradias e anunciam os locais de distribuição de alimentos. 

Apesar desta rede de solidariedade, é triste saber que ela nasceu dos gritos dos desamparados e desesperados lançados janela abaixo.

* Francisco Marcelino, jornalista, escritor e professor