Artigo - Vaca sem brejo

A declaração do presidente de que o país está quebrado demonstra incapacidade administrativa, falta de conhecimento e irresponsabilidade

9 JAN 2021 • POR • 12h19
Francisco Marcelino, jornalista, escritor e professor - DIVULGAÇÃO

Por Francisco Marcelino

Da Terra Plana do Planalto Central, onde o aquecimento global é uma criação do globalismo e Jesus Cristo foi avistado numa goiabeira, o mandatário máximo da nação anunciou esta semana que o Brasil está quebrado e que ele não consegue fazer nada. Em outras palavras, poderíamos dizer que a vaca foi para o brejo. Infelizmente não, porque depois das queimadas no Pantanal em 2020, não há mais brejo para a vaca ir. 

E assim se inicia a primeira semana de 2021... com a vaca sem brejo para ir, com a declaração de que o país deve tocar a vida e esquecer as 200 mil mortes pela Covid-19 e com novas alegações de que as eleições presidenciais de 2022 serão fraudadas se insistirmos nas urnas eletrônicas. Somam-se a isso tudo os já batidos ataques à imprensa e a péssima gestão no caso das vacinas contra o novo coronavírus. O ano promete, mas fiquemos apenas em um caso.

Não é preciso dizer que o presidente errou ao dizer que o Brasil quebrou. O país tem capacidade para arcar com as suas obrigações. No entanto, não dá para esconder que a situação é ruim. Assim como empresas, condomínios ou a nossa própria casa, países não podem gastar eternamente mais do que ganham. Em momentos de crise, priorizam-se gastos, como saúde e educação, e cortam-se despesas supérfluas. O que, por exemplo, não é essencial para 2021? O programa do submarino nuclear brasileiro. 

O problema é ainda mais grave. O governo iniciou 2021 sem que a Lei Orçamentária Anual tivesse sido aprovada em 2020. Em meio à disputa pela presidência da Câmara, o recesso do Congresso não foi suspenso para que a LOA fosse analisada. Faltou articulação política. 

A declaração do presidente da última terça, de que o país está quebrado, demonstra incapacidade administrativa, falta de conhecimento e irresponsabilidade. Pensemos num exemplo para entender a gravidade do problema. Que consumidor compraria a passagem aérea de uma companhia após ouvir seu principal executivo dizer que a empresa está quebrada? Os poucos que comprariam pediriam um desconto grande visto que é elevado o risco de não conseguir embarcar daqui a dois ou três meses. Países não vendem passagens, mas títulos públicos. 

Para o bem do Brasil, o mercado não ouve Bolsonaro, pois o Tesouro ofertou títulos na terça e na quinta-feira. Se ouvisse, o País poderia ter sido obrigado a pagar mais caro, vender uma quantidade menor de títulos ou, simplesmente, cancelar o leilão. Qualquer uma das alternativas seria péssima, pois o governo precisa vender esses papéis para cobrir o déficit público. Felizmente, as vendas foram bem sucedidas.

A carreira política de cerca de três décadas de Bolsonaro nos deu muitas mostras de que dele nunca virão palavras de bom senso. De surpreendente mesmo só a confissão de incapacidade: “Eu não consigo fazer nada”. 

* Francisco Marcelino, jornalista, escritor e professor