Artigo - Entre Finados e Quarta-Feira de Cinzas

O verão brasileiro é um prato cheio para a pandemia, mas ainda dá para evitar uma catástrofe

31 OUT 2020 • POR • 07h55
Francisco Marcelino, jornalista, escritor e professor - DIVULGAÇÃO

Por Francisco Marcelino

Esta pandemia sempre nos brinda com uma nova tristeza. Nesta semana, às vésperas de Finados — para mim, o segundo dia mais triste do ano —, foi o reconfinamento aqui na França. O número de novos casos explodiu, chegando aos 50 mil por dia. Junto com esse crescimento veio o de óbitos, que passaram de 500 na terça. 

Esses números são um duro golpe: pelas vidas que se foram e pela sensação de que o esforço feito no início do ano foi jogado no lixo. O esforço não foi em vão, porque se o confinamento não tivesse sido adotado, o sistema de saúde aqui teria entrado em colapso. Apesar disso, a sensação de esforço perdido nos devora por dentro. Por que não fizemos menos festas depois do confinamento? Por que não nos recolhemos? Por que não usamos máscaras desde o primeiro dia do fim do confinamento? 

O reconfinamento era previsível. Nas escolas, as crianças usavam máscaras até o portão de saída. Na academia que eu frequento, enquanto uns não limpavam os equipamentos antes de usá-los, outros andavam pelo espaço sem máscaras. Na Sorbonne, os anfiteatros não comportavam a quantidade de alunos. Estudantes em busca do saber num dos maiores templos do ensino no mundo se apertavam sentados nos degraus dos anfiteatros. À noite, bares cheios, festas privadas, encontros familiares. 

Os infectologistas dizem que a segunda onda pode até ser pior do que a primeira, ao passo que os mercados se derretem com a preocupação de que os preços dos ativos estejam muito elevados diante do tsunami que está porvir. O mercado deveria ser a nossa última preocupação, mas, lá na frente, isso implicará em fatos como aumento na taxa de desemprego, mais inflação ou maior endividamento das empresas com dívida em dólar e faturamento em reais. Enfim, a tempestade perfeita.

Apesar da tristeza, o reconfinamento aqui é uma oportunidade para que países que passam pelo fim da primeira onda, como o Brasil, aprendam com os erros e acertos alheios. Assim como na Europa, o verão é sinônimo de férias e praias lotadas no Brasil.  No meio disso, ainda tem o réveillon e o carnaval, que hoje em dia se estende muito além da sexta-feira à noite até a manhã de quarta-feira de cinzas. E então, a cereja do bolo: a volta às aulas. 

O verão brasileiro é um prato cheio para a pandemia, mas ainda dá para evitar uma catástrofe como a daqui com planejamento, coordenação entre estados, colaboração da população. Se a vacina estiver pronta no meio do verão, será um alívio. Mas um país tem que contar com fatos concretos, e não com possibilidades.

Acima, disse que Finados é o segundo dia mais triste do ano, mas não disse que, para mim, o mais triste é a quarta de cinzas. Espero que essa pandemia não confirme minha indisposição com o fim do carnaval! 

Francisco Marcelino, jornalista, escritor e professor