Artigo - Na boca do caixa

Não basta lavar a mão, é preciso também lavar o dinheiro

17 OUT 2020 • POR • 12h06
Francisco Marcelino, jornalista, escritor e professor - DIVULGAÇÃO

Por Francisco Marcelino

As mães são proféticas. Que mãe não manda a criança lavar a mão depois de pegar no dinheiro, porque notas e moedas são sujas? Apesar de proféticas, nem desconfiam da dimensão dessa sujeira. Esta semana, em mais uma banal investigação de corrupção, a Polícia Federal nos mostrou a verdadeira dimensão: não basta lavar a mão, mas é preciso também lavar o dinheiro. Digo, lavar literalmente o dinheiro. 

Imagino que a cena tenha sido indescritível. Como suportar bem ali o desconforto causado pelas notas estampadas com o nosso amado lobo-guará? Como pedir para um senador baixar a calça e a cueca? Como investigar os investimentos que ele fez em fundos e poupança? E para finalizar, como os policiais resgataram essa aplicação? O resgate teria sido por canais digitais ou na boca do caixa?

Com certeza a operação desta semana pode se inscrever em alguma categoria de insalubridade. Os policiais federais foram expostos a um material patogênico que não seria aceito nem por aquele suposto laboratório em Wuhan, na China, citado em inúmeras teorias da corrupção. Digo, teorias da conspiração.

É triste, mas hei de concordar com Roberto Campos: não há risco de o Brasil dar certo. Enquanto países sérios, como Holanda, França ou Alemanha, endurecem o combate à pandemia com até mesmo o toque de recolher em grandes cidades, alguns políticos nacionais se aproveitam da liberação de verbas emergenciais para se enriquecerem. 

O dinheiro público é pouco e mal administrado no Brasil. Os editais de licitações públicas são muitas vezes dirigidos para empresas sem capital, sede ou capacitação técnica. Para piorar, a lei brasileira é ingênua: políticos podem comprar imóveis com dinheiro em espécie. Os recursos foram geralmente desviados de uma obra pública ou de uma prestação de serviço, como coleta de lixo ou merenda escolar. Aqui, na França, por exemplo, qualquer cidadão é permitido pagar até três mil euros em espécie numa transação imobiliária. 

E se não for possível lavar o dinheiro adquirindo imóveis pelo valor venal, no Brasil, pode-se sempre abrir negócios de fachada, como motéis, onde os pagamentos são feitos geralmente em espécie por razões óbvias. Aí basta inflar a receita, como se uma cidade inteira coubesse num motel, lavando assim o dinheiro sujo. As alternativas não param por aí: quantas lojas sempre vazias resistem por anos a um aluguel caro num shopping center? Lojas de roupas, de chocolate, joalherias. Dá até para ganhar uma cascata de vezes na loteria. 

Enfim, o dinheiro é sujo, sobretudo no Brasil. Então, leitor, se você está lendo essa coluna após pagar e receber o troco pelo seu exemplar numa banca de jornal, sugiro que lave a mão imediatamente. O troco também. Não é possível saber por onde passaram as notas e moedas.

Francisco Marcelino, jornalista, escritor e professor