Papel social: ler mulheres na literatura brasileira

No Brasil também temos uma porção de autores que nós precisamos valorizar, em especial mulheres brasileiras cuja contribuição é indispensável para o alcance de uma sociedade mais justa

19 AGO 2020 • POR • 19h07
É preciso reformular a ideia do escritor inacessível, ou apenas remeter ao clássicos - Pexels

Franz Kafka já disse que a "literatura é sempre uma expedição à verdade", e qual é a nossa verdade quanto sociedade? Se as notícias de jornais nos trazem a informação com tempo de validade contado, na literatura a informação se junta a uma outra, transforma-se em ideia e então, já em narrativa, dura, persiste e finalmente aguça o senso crítico e nos faz pensar sobre as coisas que afetam nossas vidas.

Best-sellers internacionais enchem prateleiras de livrarias, o que é justo, já que leitura sempre será bem-vinda. Mas no Brasil também temos uma porção de autores que nós precisamos valorizar, em especial mulheres brasileiras cuja contribuição é indispensável para o alcance de uma sociedade mais justa.

A literatura brasileira contemporânea - e feminina - como papel social

É preciso reformular a ideia do escritor inacessível, ou apenas remeter ao clássicos. Todo o respeito à Machado de Assis ou Castro Alves, mas a literatura brasileira está viva e tem muito conteúdo bom que infelizmente é pouco divulgado, principalmente de escritoras mulheres. Elas são mães, pesquisadoras, mulheres negras, homossexuais, moradoras de periferia, etc. Ler o que essas mulheres têm a dizer é um aprendizado necessário como indivíduo e cidadão, além de ceder-lhes espaço para discutir questões sociais, de gênero e raciais que são mais dominadas por homens ou por uma elite.

Na sociedade brasileira, o número de chefes de família mulheres mais que duplicou em 20 anos e elas já são maioria das universidades. Mesmo assim, elas possuem dificuldades de encontrar empregos e são menos remuneradas para mesmas funções exercidas por homens. Porque essa é uma voz importante, mas ainda enfrenta problemas, é um dever social ouví-la e fazê-lo também por meio de livros.

Feminismo literário em voga

Imagina andar pela rua e receber uma cantada, homens se aproveitando do transporte lotado para tocá-la. Ou quando conversar com um paquera este pensar que isso lhe dá o direito de enviar fotos não-solicitadas, sendo que é muito mais frutífero enviar um simples 'bom dia' ou até mesmo uma piada, ainda que um meme engraçado. Ou, infelizmente, ter o chefe ou colegas homens no trabalho mansplaning suas funções para você, como se duvidassem da sua capacidade. São tantas as situações que envolvem algo que se refere à mulher colocando-a numa posição vulnerável ou inferior, que o feminismo tournou-se pauta crítica, e apenas autoras mulheres possuem autoridade para falar sobre isso.

Com um nome poderoso, Um útero é do tamanho de um punho, de Angélica Freitas, trata em forma de poesia os estereótipos do gênero, a deturpação da mulher e as consequências socias que elas sofrem. Com ironia e humor, ela trata de questões sérias e, entre uma risada e outra, nos faz refletir: como mudar isso?

Para quem gosta de uma narrativa, A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, que recentemente virou filme, da escritora Martha Batalha, traz o feminismo ligado à temas como injustiça, violência e marginalização através da história de duas irmãs.

Autoras negras para se familiarizar

Você já parou para pensar em quantas autoras negras já leu? E quantas dessas eram brasileiras? Na década de 60, uma catadora de lixo negra encontrou num diário um consolo para as mazelas que vivia. Seu nome era Carolina Maria de Jesus e seu registro despretencioso deu origem à obra Quarto de Despejo - Diário de uma favelada. Mesmo tendo sido lançado há décadas atrás, o livro continua contemporâneo e é usado em diversos estudos socioculturais, pois os problemas abordados nele ainda existem.

A semente deixada por Carolina germinou e o movimento feminista respondeu à altura produzindo autoras como Djamila Ribeiro, que trouxe a obra O que é lugar de fala? Nela, a autora aborda sob novas óticas e vozes o que Carolina de Jesus começou lá atrás. Mesmo vivendo em uma democracia, não são todos os que possuem o direito de fala no Brasil. Djamila explica como as vozes negras foram sendo silenciadas, e inclui também homens negros e povos indígenas, povos considerados por séculos como minoritários. Ela também é autora do livro Quem tem medo do feminismo negro?

Cultura e sociedade se misturam nas vozes negras, e no diálogo essas mulheres revelam que o orgulho de ser quem são e celebrá-lo é crucial para uma sociedade harmônica e unida. Miriam Alvez é outro exemplo, e já publicou diversos livros em prosa e poesia que resgatam o patrimônio afro, como Brasilafro Autorrevelado e Momentos de Busca, dentre outros. Ela também ministrou cursos de Literatura e Cultura Afro-Brasileira em Middlebury College, EUA.

E que tal juntar algo tão brasileiro quanto o cordel à literatura negra? É o que Jarid Arraes fez em Heroínas negras brasileiras em 5 cordéis.

Há muitos outros nomes. Procure-os. Leia-os. Sugira-os. Contribua. Celebre a literatura nacional e a faça pelas mãos de mulheres que contribuem muito para o debate e mudança.