Artigo: a história diante de nossos olhos

A análise da pesquisa XP-IPESPE mostra que temos um cenário bastante sombrio pela frente

6 ABR 2020 • POR • 07h10
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Por Nilton Cesar Tristão 

Neste breve compêndio, buscarei analisar os resultados do levantamento quantitativo promovido pela XP Investimentos entre os dias 30 de março e 01 de abril, distribuído através de amostra probabilística com abrangência em todo o território nacional. Contudo, manterei foco nos questionamentos direcionados à percepção da propagação do coronavírus e à eficácia da quarentena, sem destinar qualquer abordagem à avaliação do desempenho dos personagens políticos e instituições federativas.

Antes, citarei duas fontes para enriquecer a construção do meu pensamento: 1ª) a fala do Secretário Geral das Nações Unidas, António Guterres, que contextualiza a situação da seguinte maneira: “o vírus mostrou a rapidez com que pode atravessar fronteiras, devastar países e pôr vidas em risco. O pior ainda está por vir”.  2ª) estudos publicados pelo New England Journal of Medicine e Massachussets Institute of Technology, os quais afirmam que “o covid-19 pode cobrir distâncias de 7 a 8 metros e ficar suspenso no ambiente por até três horas, depois de expelido por uma pessoa contaminada”.

Nesta conjuntura, me debruçarei sobre os resultados da pesquisa à luz destas duas premissas. No relatório XP, constatamos que para 62% dos entrevistados o surto de coronavírus representa pouco ou nenhum temor; 91% não conhecem até o momento alguém que foi infectado pelo patógeno, além disso, nos deparamos com a averiguação de que 46% dos brasileiros vêm desrespeitando a quarentena de maneira total ou parcial; 34% consideram que o isolamento já deveria ter chegado ao fim e 46% possuem algum nível de concordância com a reabertura imediata de escolas, empresas e comércio.

Ou seja, temos um cenário bastante sombrio pela frente quando unimos a capacidade exponencial de propagação da cepa à quase 40% dos brasileiros que desconsideram o impacto da pandemia dentro do contexto de uma grave crise de saúde pública. Aparentemente por acreditarem que o dia ensolarado contemplado por ventos amenos é o indicativo de que a tempestade alardeada não passa de noticiário fantasioso, ou ainda, por estarem convencidos pelas permanentes “lives” de prefeitos que teimam em transmitir o sentimento de que as municipalidades encontram-se preparadas para lidar com evento natural que se avizinha, tornam-se os ingredientes de um caldo que vem depurando a enfermidade de um mundo desprovido de divisas.

Em outros termos, o famoso achatamento da curva, dentro dos parâmetros esperados pelo ministro Mandetta, pode tornar-se inexequível, tendo como resultado prático o colapso da capacidade de atendimento nos setores particular e público de saúde. Desta forma, a pesquisa XP/IPESP pode nos revelar que tal como as subnotificações de óbitos advindos do vírus, a velocidade de propagação também deve estar subdimensionada, sendo que as pessoas que desconsideram as explanações e evidências apontadas pela ciência podem potencializar o ritmo de infecção e comprometer ainda mais os efeitos econômicos e sociais.

As eleições de 2020 serão um excelente laboratório para entender a psique do sujeito que emerge no mundo pós-coronavírus, um indivíduo que permanecerá suscetível às narrativas populistas ou alguém que exigirá o retorno de governantes portadores de práxis estadista? Isto é a história acontecendo diante de nossos olhos.

Nilton Cesar Tristão - Cientista Político
Diretor do Instituto Opinião Pesquisa e GovNet Pesquisa