Jovem de São Vicente vai fazer doutorado no Chile

Morador da Área Continental foi aprovado em terceiro lugar

4 FEV 2019 • POR • 11h08
Jefferson foi aprovado no doutorado de duas universidades - nair bueno/diário do litoral

O sonho de fazer doutorado no exterior se tornou realidade para um jovem de 23 anos, morador da Área Continental de São Vicente. Apesar da pouca idade, Jefferson Dionisio é formado em Filosofia e dá aulas na rede estadual de ensino, no Saboó, em Santos. Um detalhe chama atenção: ele conseguiu o feito sem passar pelo mestrado.

Este mês, Jefferson se despede temporariamente do Parque São Vicente e se muda para Viña del Mar, local em que fará o Doutorado em Filosofia do Instituto de Filosofia da Pontificia Universidad Católica de Valparaíso, no Chile, até 2023.

“Sempre estudei em escola pública e, quando terminei os estudos, decidi que queria ser professor”, conta. “Só queria dar aulas, por isso quando me deram a ideia de tentar mestrado, em um primeiro momento eu neguei”, afirma, explicando que a sugestão partiu da equipe de Relações Institucionais da Universidade Católica de Santos (Unisantos), onde se graduou.

O jovem professor viajou com a intenção de se candidatar para uma bolsa de mestrado. “O diretor do curso de Filosofia da Universidad de Los Andes (em que ele também se candidatou) disse que talvez fosse mais fácil o doutorado, pela quantidade de bolsas, então decidi tentar”, explica. Apesar do feito, Jefferson alega que não conhece ninguém que tenha pulado da graduação para o doutorado, o que o deixa um pouco receoso. Ele foi aprovado nas duas universidades, mas optou pela de Valparaíso. 

“É um sentimento de medo, porque a exigência é outra, o sistema de ensino, o modo de pensar são diferentes. Aqui no Brasil, a gente não tem muito essa formação de pesquisa, é mais visando o mercado de trabalho. Não sei o que me espera, não fiz pós-graduação”, ­expõe.

Negro, jovem e da periferia de São Vicente, entre postulantes franceses, americanos e alemães, Jefferson foi aprovado em terceiro lugar. “Quando eu vi a lista de postulação, com pessoas de diferentes nacionalidades, que têm mestrado e falam mais idiomas que eu, achei que estava em desvantagem”, relembra. Dionisio fala espanhol, inglês e está estudando grego.

Além da aprovação na universidade, ele ainda conseguiu duas bolsas: de manutenção e de isenção de mensalidade. 

O projeto de pesquisa que deu a ele as aprovações é sobre a área Patrística da Filosofia. “Basicamente, vou pesquisar sobre os primeiros séculos da Era Cristã”, explica. “Existem poucas obras sobre o assunto, especialmente traduzidas”, completa.

Em 2023, o então Doutor Jefferson Dionisio já sabe o que vai fazer: voltar a dar aulas na rede estadual.

CAMINHO ATÉ AQUI

A realidade de Jefferson é a de muitos brasileiros, que precisam conciliar estudos e trabalho para ajudar no sustento da família. 

Quando estava no Ensino Médio, em 2011, começou a trabalhar em um mercado pelo Centro de Aprendizagem e Mobilização Profissional e Social (Camps). “Saía cedo de casa, ia para a escola, almoçava e ia para o trabalho, onde ficava até às 21 horas”, lembra. 

Em 2012, ainda pelo Camps, começou a trabalhar na Prefeitura de São Vicente. Por conta do horário, das 8h às 17h, teve que mudar o horário de estudos para o período noturno.

“Eu terminei os estudos, mas a Prefeitura acabou renovando meu contrato. Fiquei lá até 2015”, esclarece.

“Lembro que, em 2014, eu ganhava cerca de R$ 668 e a faculdade era R$ 660. Todo o meu salário ia para os ­estudos”, conta. Em 2016, Dionisio conseguiu uma bolsa do Prouni. 

“Se já é difícil estudar em escola pública e ir para a faculdade, imagina quem trabalha. Às vezes, as pessoas não conseguem dar seguimento nos estudos, porque precisam optar pelo trabalho”, lamenta. “E quem entra, é difícil se manter. Senti muito as dificuldades quando entrei, de mim para quem tinha estudado em escola particular”, ­completa.

Dionisio, que mora com os pais e irmãos, é o primeiro da família a frequentar uma universidade e, agora, um Programa de Doutorado. “Minha mãe não sabe muito bem o que é um doutorado, mas está muito feliz. Eles acreditaram primeiro que eu que daria certo”.