Casa da Cultura Afro-Brasileira: 'A história do negro não pode morrer'

Espaço construído em taipa e paredes esculpidas abriga mais de 135 peças que destacam a cultura africana

20 NOV 2018 • POR • 11h17
O acervo do espaço conta com mais de 135 peças feitas em barro e madeira - Divulgação/PMSV

A casa de taipa com personagens e vegetação esculpidos nas paredes guarda a história da escravidão brasileira na primeira vila do Brasil. Localizada no Parque Ecológico Tércio Garcia (Rua Dona Anita Costa, s/n – Parque do Votoruá), a Casa da Cultura Afro-Brasileira resgata o histórico da cultura africana desde 1976.
 
O acervo do espaço conta com mais de 135 peças feitas em barro e madeira, que retratam o período da escravidão e as fases vivenciadas no período Brasil Colônia. As esculturas de Geraldo Albertini esculpidas com canivete na argila retratam cenas como leilão de escravos, o trabalho braçal nas moendas, máquinas de moer cana de açúcar e amas de leite amamentando os filhos de seus senhores.
 
Uma das curiosidades da casa é que as figuras presentes na parede do museu foram esculpidas pelo artista. A estrutura é feita com bambus e preenchida a mão com argila, remetendo às casas de taipa presentes no período colonial. O telhado também remete à época da escravidão, as telhas da Casa foram moldadas em coxas de tamanhos diferentes, simulando as peças produzidas por escravos na época.
 
A disposição das obras faz com que o visitante passeie por grandes símbolos da cultura afrodescendente como a capoeira e manifestações religiosas como a figura do Preto Velho, um sábio senhor que curava pessoas com ervas, símbolo religioso na umbanda e candomblé. O passeio é finalizado com as representações da Lei do Ventre Livre, abolição da escravatura por meio da Lei Áurea e a bancada da vingança - quando livres, os negros perseguiam os capitães-do-mato.
 
‘Seu Bira'

As esculturas do artista que recebeu o título de cidadão vicentino ganham narrativa na voz de Lúcio Ubirajara, conhecido como ‘seu Bira’, que trabalha no museu há 28 anos. “Os visitantes se surpreendem ao conhecerem a história e descobrirem que têm sangue negro correndo nas veias. Ainda tem muito tabu, e as pessoas têm preconceito por associarem sempre a cultura africana às coisas diabólicas”. Também negro, seu Bira enxerga o museu como uma forma de perpetuar a história daqueles que passaram por aqui: “A história do negro não pode morrer”.
 
Inaugurado no Dia da Abolição da Escravatura, 13 de maio, com o nome de “Museu do Escravo”, o local foi rebatizado após um processo de revitalização, passando a retratar não só o período da escravidão, mas também sobre a colaboração dos povos africanos a cultura brasileira.
 
“O nome limitava a participação do negro na formação do País, reduzindo a figura histórica do negro à condição de escravo. A nossa língua é constituída por palavras africanas, temos pratos originados na África em nosso calendário, a influência do país se estende até as vestimentas, onde usamos brincos, colares volumosos e turbantes”, explica o historiador Flávio Viana Barbosa.
A Casa é o único espaço público, na Baixada Santista, destinado à valorização da cultura africana. O local recebe ações ligadas à cultura negra como manifestações religiosas, culturais e esportivas.
 
Escravidão

São Vicente foi uma das cidades pioneiras na libertação de escravos, chegando a ter a abolição da escravatura assinada dois anos antes da Lei Áurea. “Na noite em que José Bonifácio faleceu, no dia 31 de outubro de 1886, o presidente da Câmara chamou os escravos que restavam para que ele assinasse a carta abolindo a escravidão na Cidade”, destaca o historiador.