Arqueologia e gastronomia: parceria descobre na Rondônia o elo perdido

Entre 2010 e 2015, foram coletadas amostras de 596 plantas, sendo 325 de mandioca-brava, 226 de mandioca-mansa, 28 da forma selvagem Manihot esculenta ssp. flabellifolia e 17 não designadas – encontradas fora de áreas de cultivo tradicional.

13 MAI 2018 • POR • 12h28
A conclusão é que a mandioca-mansa foi domesticada primeiro, há cerca de nove mil anos. - Fotos Públicas/Divulgação

Estudos arqueológicos acabam de revelar que a espécie Manihot esculenta, a popular mandioca, aipim ou macaxeira, foi domesticada pelo homem há nove mil anos. Desde então, ela vem sendo cultivada em toda a América Latina, sendo uma das mais importantes fontes de amido no Continente. A descoberta ocorreu na região do Alto Rio Madeira, na ­Rondônia. 

A forma como se desenvolveu a transmissão do cultivo da mandioca pelas Américas ainda é algo nebuloso. Especula-se que a partir do centro original de domesticação, o cultivo se disseminou entre as etnias indígenas.  Estudos arqueológicos e etnobotânicos sugerem que a dispersão da raiz está ligada aos movimentos humanos pré-históricos ao longo dos rios amazônicos.

Entre 2010 e 2015, foram coletadas amostras de 596 plantas, sendo 325 de mandioca-brava, 226 de mandioca-mansa, 28 da forma selvagem Manihot esculenta ssp. flabellifolia e 17 não designadas – encontradas fora de áreas de cultivo tradicional.

As surpresas começaram ao comparar os genomas dos 596 indivíduos. A variação genética entre as amostras não apontou um viés biogeográfico, ou seja, o estudo do genoma não revelou a existência de variedades regionais. 

Para entender como foi o processo de disseminação do cultivo, era preciso descobrir como e onde as formas mansa e brava se diferenciaram a partir do ancestral selvagem. 

A principal diferença entre elas está no grau de toxicidade. A selvagem é muito venenosa. Suas raízes possuem alto nível de substâncias precursoras do ácido cianídrico. O consumo pode ser letal.

A mandioca vendida em feiras e supermercados é a mandioca-mansa. Ela ainda contém certo teor de substâncias tóxicas, por isso não pode ser consumida imediatamente após ser colhida.

O que se acreditava era que a domesticação da brava envolveu o desenvolvimento pelos índios de técnicas para retirar a toxicidade da planta, até chegar a um produto que pudesse ser consumido praticamente sem processamento. Mas, o que se detectou foi uma grande diversidade entre a mansa e a brava.  

A conclusão é que a mandioca-mansa foi domesticada primeiro, há cerca de nove mil anos. Só muito depois é que se domesticou a mandioca-brava. O processo de dispersão de ambas parece ter sido, portanto, bem diferente, tanto no tempo como no espaço. Até então, se pressupunha que a mandioca brava fosse um estágio intermediário na domesticação da mandioca mansa.

A pesquisa foi desenvolvida no programa de doutorado no Departamento de Genética da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP). E os resultados acabam de ser publicados nos Annals of Botany.