Banca em São Vicente se transforma em paraíso para surfistas

A praça onde a banca está instalada fica ao lado da Linha Amarela, uma das vias principais que liga quem mora nos bairros à praia do Itararé, conhecida por ‘dar onda’ quando entra ondulação propícia.

29 ABR 2018 • POR • 14h01
O local se transformou em um paraíso para quem procura pranchas de surfe em bom estado e com preço acessível - Rodrigo Montaldi

Debaixo de uma árvore, na Praça da Bíblia, em São Vicente, existe uma banca que, há tempos, se destaca pelos produtos que vende. Longe dos tradicionais jornais e revistas, o local se transformou em um paraíso para quem procura pranchas de surfe em bom estado e com preço acessível.

O dono do pequeno espaço é Luis Santana, de 52 anos, um homem franzino, de fala mansa, que recebeu a Reportagem do Diário ao meio-dia da última quinta-feira para contar os motivos que o levaram a mudar o foco do seu negócio. 

Segundo ele, o comércio foi adquirido há mais de 25 anos e estreou como uma banca convencional vendendo os produtos costumeiros. “Mas, a venda de jornal e revista começou a cair muito de uns anos pra cá e eu precisava pensar em alguma forma de me manter aqui”, explica. 

A praça onde a banca está instalada fica ao lado da Linha Amarela, uma das vias principais que liga quem mora nos bairros à praia do Itararé, conhecida por ‘dar onda’ quando entra ondulação propícia. Logo, ver surfistas passando por ali faz parte da rotina.  

“Então eu decidi colocar um cartaz na banca escrito assim: compro sua prancha. No mesmo dia uma pessoa veio e me vendeu uma e, horas depois, ela já estava vendida. Percebi que poderia ser um negócio promissor e comecei a comprar e revendê-las”, conta. 

A notícia de que uma banca vendia pranchas de surfe seminovas em ótimo estado a preços acessíveis se espalhou rápido por quem pratica o esporte na região e trouxe um bom retorno para o comerciante, tanto que atualmente Luis abandonou a venda de jornais e revistas e só comercializa pranchas. Há também alguns livros que ele gosta de ter num estilo sebo e que “poucas pessoas procuram”, conta. 

O bom estado das mercadorias é graças aos reparos que Luis aprendeu a fazer, sozinho. “Comecei a conversar com surfistas pra entender como uma prancha era feita, que tipo de material era usado e aprendi a fazer remendos. Arrisco até a dizer que já sei como fazer uma prancha”, brinca. 

Rotina

A banca abre das 9h às 17h (no verão até às 18h) e recebe por dia de cinco a seis pranchas usadas. Luis explica que a maioria das negociações é feita na base da consignação. “A pessoa deixa a prancha aqui e quando vende eu ligo para entregar a parte dela”. Sempre funcionou. 

Os preços são um atrativo à parte. Uma prancha shortboard, uma das mais usadas, pode ser encontrada a R$100. Um ­longboard, aquela prancha grande de bico arredondado que nas ­lojas não sai por menos de R$1 mil, na banca é ­vendida por R$400. Já o Stand Up Paddle, que ­chega a ser encontrado por R$3 mil, com o Luis sai por menos da metade do preço. “Tem gente até do Guarujá que vem comprar comigo”, ­comemora. 

Os acessórios para a prática do esporte também são vendidos por lá como pé de pato para bodyboard (R$50) e remo (R$80). 

Surfe para todos

O preço acessível acabou dando uma chance para que jovens mais carentes da cidade começassem a surfar. Esse é um dos detalhes que Luis conta com mais alegria à ­Reportagem. 

“Eles passam aqui e mesmo tendo pranchas por R$100, não é todo mundo que pode comprar. Então se a pessoa não tem dinheiro, eu dou as pranchas que posso”, afirma. 

Só não ganha quem ainda é pequeno demais para enfrentar o mar. “Sei que seria irresponsável se desse uma prancha para uma criança sozinha ir à praia, então peço para vir um responsável junto, aí tudo bem”, explica. 

Além de tudo, o toldo da banca também abriga alguns moradores em situação de rua na hora do sono. “Não vejo problema nenhum, eles não mexem em nada”, diz. 

Luis talvez não se importe em doar uma prancha ou outra porque ele mesmo sentiu na pele o que é a pobreza. Nascido e criado na Bahia morou em uma pequena cidade que não tinha escola. Veio para Santos aos 18 anos, sabendo escrever apenas o nome, em busca de um emprego. 

Depois de um tempo, conseguiu uma oportunidade na área da vigilância patrimonial. Foi dessa forma que conseguiu poupar um pouco do que ganhava e comprar a banca que mantém há mais de duas décadas. 

Mas, as poucas horas de sono entre os dois empregos ao longo dos anos lhe acometeram a saúde e depois de um susto e um bom tempo internado, Luis decidiu manter só a banca. 

Casado e com um filho de 26 anos que lhe ajuda a tocar o negócio, afirma que só conseguiu o que desejava porque sempre teve fé. “Sou evangélico, Deus sempre me ajudou muito mesmo. Conheci pessoas que foram ruins comigo, mas também muitas pessoas boas que têm Deus no coração. Não me custa ajudar quem precisa mais do que eu. Precisa ver como a criançada fica feliz”.

Com tanta fé envolvida, a Praça da Bíblia parece fazer jus ao nome ao abrigar o homem que permite a tantos jovens carentes sentir a deliciosa sensação de deslizar pelas ondas do mar.