A arte de contar e encantar as histórias

No dia internacional do contador de histórias, profissionais falam sobre a arte atemporal que encanta crianças e adultos e também sobre a luta por reconhecimento e políticas públicas para o segmento

19 MAR 2018 • POR • 10h00
Daniel Meirelis se considera um ‘multiplicador de sorrisos’ - Rodrigo Montaldi/DL

Era uma vez. Para quantas sensações e lembranças essas três palavras te rementem? Dos clássicos infantis até as inúmeras notícias relatadas nas páginas deste jornal: viver é a arte de contar muitas histórias. Na semana onde é comemorado o Dia Internacional de quem tem como trabalho este ofício, Camila Genaro bem sabe o poder quase mágico que emana das palavras contadas. Atualmente presidente da Academia Brasileira dos Contadores de Histórias, a mulher que se descobriu artista durante o magistério entende que o ofício vai além do tempo que dura um conto.

“Hoje as pessoas não se escutam mais. Eu acredito e vivencio o fato de que quando estimulamos a imaginação, ganhamos um fio que irá conduzir as pessoas de todas as idades para um lado mais bonito da vida. Para a leitura, para a escrita, para a arte de sonhar... Quando a gente fala ‘Era uma vez’, estamos transportando o ouvinte para um lugar que só existe dentro dele”, conta.

A ideia é defendida pelo artista Daniel Meirelis, que se considera um ‘multiplicador de sorrisos’. “Em uma realidade tão individualista, eu acredito sinceramente na arte de contar histórias como um caminho para devolver a sensibilidade e a preocupação com o outro, sentimentos que parecem que foram esquecidos”, conta. 

Arte-educador de duas unidades da Fundação Casa, Meirelis acrescenta que vê no trabalho desenvolvido uma chance para reabilitação de jovens infratores. “Eu cresci ouvindo histórias contadas pela minha tia. Os meninos que estão ali cresceram tendo acesso a histórias de roubo, de tráfico e violência. Ao lado deles entendo, ainda mais, a importância do trabalho do contador. Muitos já me pedem para trabalhar comigo depois que saírem... É algo transformador”, acrescenta.

Através dos tempos, a tradição oral marcou a história da humanidade, estimulando não apenas o ouvir, mas também despertando a imaginação de crianças e adultos. Apesar de ser um dos mais antigos ofícios do mundo, a profissionalização é um dos obstáculos no caminho dos contadores de histórias.

“Desde 2010 fazemos audiências públicas clamando por uma regulamentação para nosso trabalho. A deputada Erika Kokay (PT-DF) nos deu ouvidos e apresentou na Câmara um projeto de lei sobre o tema, mas o projeto tinha muitas lacunas. Em consenso, achamos melhor retirar essa pauta e debatermos mais sobre o que queremos. Hoje não somos um segmento contemplado na maior parte dos editais e legislações de incentivo à cultura, como o ProAC e a Lei Rouanet”, argumenta Camila. 

Na proposta, para o exercício da profissão seria exigido curso de formação, com fundamentação teórico-prática, para o uso da literatura e das técnicas de contação de histórias como instrumentos didático-pedagógicos no processo de aprendizagem. “Não havia uma definição de como seria essa formação”, aponta Camila.

Mais do que ter um papel fundamental na preservação e transmissão do saber e das manifestações da cultura popular, contar histórias é auxiliar na reescrita de algumas delas. “Eu tinha um trabalho semanal na gibiteca de Santos, onde atendida escolas de regiões vulneráveis da cidade. Um dia uma menininha veio animadíssima falar para mim que depois de ter escutado uma das histórias foi na biblioteca da escola e pegou o livro para ler para a irmã mais nova. Aquilo me emocionou e me emociona sempre que falo, pois aquela criança estava mudando sua realidade, adquirindo um novo hábito e transmitindo para a sua família. É sobre essa magia que conto”, finaliza.