Censura, ‘cura gay’ e ensino religioso nas escolas: para onde caminha a democracia?

Na visão do antropólogo Darrell Champlin vivemos um momento de retorno ao ultraconservadorismo

2 OUT 2017 • POR • 10h45
Espetáculo ‘O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu’ foi cancelado liminarmente - Divulgação

Nos últimos dias uma série de episódios envolvendo a arte, a liberdade de expressão, a justiça e a religião foram combustíveis para que grupos sociais passassem a questionar a manutenção de garantias essenciais e direitos conquistados pelas minorias.

A lista de situações é extensa: em setembro uma mostra de arte foi fechada por pressão de grupos conservadores; um espetáculo foi censurado em Jundiaí por apresentar Jesus Cristo no pele de uma travesti; a ‘cura gay’ voltou a ser debatida e o STF determinou que o ensino religioso em escolas públicas pode estar ligado a uma crença específica. Todos os acontecimentos levantam o debate: para onde caminha a democracia?

Na visão do antropólogo Darrell Champlin vivemos um momento de retorno ao ultraconservadorismo, não apenas no Brasil. “Pela primeira vez desde a segunda guerra mundial existe a possibilidade de o parlamento alemão voltar a ter representantes do partido nazista e temos na presidência dos Estados Unidos um conservador como Donald Trump. O que acontece no Brasil é um movimento onde ainda é possível levar aos tribunais o julgamento. Não é exclusividade, mas é evidente que viola princípios básicos de democracia”, afirma.

Professor universitário, advogado e ativista dos direitos humanos, Renan Quinalha acredita que os episódios recentes refletem um processo estrutural complexo e precisam ser lidos em conjunto.

“Parece que esses setores mais conservadores ficaram escanteados nos últimos anos após uma série de conquistas de grupos vulneráveis, tais como o direito de reconhecimento por parte dos movimentos feminista, LGBT e negro, as cotas raciais e o casamento entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo. Me parece que agora eles estão reagindo a altura dessas conquistas que foram diluídas nos últimos 20 anos desde a retomada da democracia”, aponta.

Outro fator citado pelo advogado foi o impeachment de 2016. “Setores mais conservadores foram empoderados e passaram a pautar essa agenda de dentro do Executivo, do Legislativo e até mesmo no Judiciário, que era um lugar onde a gente depositava uma esperança como um bastião de proteção dos direitos”, afirma.

Champlin considera que é difícil generalizar assuntos pontuais como indicativos de perda de direitos universais. “Só é possível responder a essa pergunta na próxima geração. A gente peca em tirar conclusões demais e precipitadas sobre coisas que podem ser pontuais e culturalmente fluídas. O relativismo cultural é importante, pois precisamos saber balancear valores”, afirma.

Para Quinalha, vivemos tempos de retrocessos onde a democracia está seriamente comprometida. “Acho que esse processo ainda está se aprofundando, mas também vejo uma série de resistências que estão sendo colocadas e esse embate é importante. Não acho que a gente viva uma ditadura como foi a de 1964 no Brasil. Há uma série de diferenças e muitas vezes os autoritarismos e as violências se praticam de modo mais sutil sob o manto da legitimidade do Estado de Direito. Isso nos coloca desafios para entender que a democracia que vivemos possui muitas zonas de exceção”, finaliza.

Debate

A palavra ‘Cultura’ significa todo aquele complexo que inclui o conhecimento, a arte, as crenças, a lei, a moral, os costumes e todos os hábitos e aptidões adquiridos pelo ser humano. O Diário mantém esse espaço aberto para debater demandas desse gênero.

‘Cura Gay’

Publicada desde 1999, a chamada ‘cura gay’ voltou a ser discutida após o juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, do Distrito Federal, conceder uma liminar que, na prática, torna legalmente possível que psicólogos ofereçam pseudoterapias de reversão sexual. O juiz contraditoriamente determina que o Conselho de Psicologia altere a interpretação de suas normas a fim de permitir estudo ou atendimento profissional sobre o tema.

Ensino religioso confessional nas escolas

Por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira, 27, que o ensino religioso em escolas públicas, que é facultativo, pode estar ligado a uma crença específica. Da mesma forma, não há impedimento para que um religioso, um padre ou pastor, por exemplo, dê a disciplina. Dessa forma, saiu vencida a Procuradoria-Geral da República (PGR), que iniciou a discussão em 2010.

Cancelado

No último dia 15 o espetáculo ‘O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu’ foi cancelado liminarmente pelo juiz Luiz Antonio de Campos Júnior.

Em Porto Alegre, dias depois, o juiz Antônio Coitinho negou o pedido, destacando que “censurar a arte é censurar pensamento e censurar pensamento é impedir desenvolvimento humano”.