“Na maioria das vezes, paciente ou familiar não fica sabendo”

ERRO MÉDICO. Bruna Hernandes diz que mais pessoas buscam reparação, mas desconhecimento ainda atrapalha

6 AGO 2017 • POR • 10h00
Bruna Hernandes é pós graduanda em direito médico da Saúde, membro efetivo da comissão do Jovem Advogado e coordenadora do Projeto OAB vai à Faculdade - Paolo Perillo/DL

A frase é da pós graduanda em direito médico da Saúde, membro efetivo da comissão do Jovem Advogado e coordenadora do Projeto OAB vai à Faculdade, Bruna Hernandes. Apesar o desconhecimento técnico da maioria da população, ela afirma que cresce o número de pessoas que estão buscando a reparação na Justiça. Confira:

Diário do Litoral – Não era muito comum a busca por reparação até porque, geralmente, o paciente e seus familiares estão fragilizados e acreditam que o desgaste só aumentaria o sofrimento. Isso é verdade?
Bruna Hernandes – Também. O que ocorre é que, na maioria das vezes, o paciente ou o familiar nem fica sabendo que houve algum tipo de erro médico porque os procedimentos são muito técnicos. Só quando a situação é muito gritante, muito evidente, é que a pessoa percebe de imediato e sai à procura de seus direitos.

Diário – Um exemplo mais gritante é quando é encontrada uma ferramenta dentro do corpo do paciente?
Bruna –  Ou quando morre por uma outra situação que não a que o levou à cirurgia. O profissional pode ser processado civil ou criminalmente e perder o registro.

Diário – Tem que agir com rapidez? Tem prazo?
Bruna – Tem familiares que percebem logo e já correm atrás. Mas também há casos que, por acreditar que se trata de poder público ou classe médica, fica difícil ganhar a ação e, então, não ingressa. Tem pessoas que chegam a procurar o advogado e depois desistem. O prazo prescricional é de cinco anos.

Diário – Há casos de negligência já no primeiro atendimento, no balcão? E isso também cabe ação?
Bruna – A negativa de cobertura de planos de saúde são exemplos, de negação no balcão também. São inícios de procedimentos. As consequências deles também. Há casos de imprudência, negligência e imperícia. É preciso identificar se houve cada um deles.
É preciso obter uma perícia médica, feita por um profissional de saúde (médico). Houve um caso em um hospital aqui da região em que a mãe, após ter seu bebê, percebeu que o braço da criança estava quebrado. Na hora de engessar, os médicos fizeram o procedimento, só que no que estava bom. Nesse caso, nem precisou de perícia técnica. Há outro caso que houve um erro de diagnóstico. A paciente entrou para fazer um tratamento de hemodiálise e acabou falecendo por parada cardíaca.

Diário – Há médicos que auxiliam advogados a detectar falhas?
Bruna – O Poder Judiciário possui vários peritos para avaliar as situações. Mas a pessoa pode contratar um particular.

Diário - Há números?
Bruna – Não, mas existe um evidente crescimento na procura dos direitos tanto por paciente, como por familiares, principalmente contra convênios, que estão negando coberturas de atendimento, mesmo sendo urgência e emergência, mesmo após o término da carência.

Diário – É  o valor?
Bruna – Sim, eles fazem conta. Recentemente, um plano se negou autorizar uma radioterapia e a família custeou o tratamento. O paciente acabou falecendo. Os familiares entraram na Justiça para rever o valor, pedir danos morais e acabaram vencendo.

Diário – Há muitos erros quando o atendimento é de urgência e emergência?
Bruna –  Em Guarujá, um rapaz sofreu um acidente de trânsito e quebrou o braço. Ele foi atendido pelo SAMU, encaminhado à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e depois para o hospital. O médico que atendeu diagnosticou fratura e a necessidade de uma cirurgia. Mas, segundo ele, disse que teria que procurar o hospital da cidade que ele residia. Ele foi para São Vicente e o hospital estava em greve. Depois, para Praia Grande e recebeu a mesma recomendação. Enfim, a cirurgia só foi realizada 20 dias depois. Ele devia ter sido atendido em Guarujá.

Diário – Também há negativa de medicamentos e exames?
Bruna – Sim, principalmente os de alto custo. Isso também cabe ação.

Diário – São comuns também erros de diagnóstico?
Bruna – Uma mulher que tinha um histórico de anemia deu entrada em um hospital e, após ser tratada, começou a sentir dores abdominais. O primeiro médico havia desconfiado de apêndice e pediu exames. Entre os exames e a próxima consulta, ela resolveu mudar de médico que sequer a tocou. Olhou os exames e disse que era apenas uma dor abdominal, prescrevendo uma medicação. As dores ficaram insuportáveis e, depois de três dias, um terceiro médico a colocou em uma mesa de cirurgia porque ela estava morrendo de apendicite. Era para fazer dois furinhos e ele teve toda a barriga aberta para lavagem dos órgãos e posterior cura.

Diário – O poder público pode ser responsabilizado pelo sucateamento do SAMU?
Bruna – Se conseguir comprovar que a situação prejudicou a assistência, sim.                  

Diário – O que o paciente prejudicado ou que possa ser deve fazer?
Bruna – Procurar um advogado de confiança, levantar toda a documentação possível, prontuário médico, entrada e saída do hospital, enfim, tudo que é necessário para garantir o direito por intermédio de uma liminar judicial. O juiz vai analisar argumentos e documentos. Também é importante registrar um boletim de ocorrência. A Polícia é obrigada a fazer. Para se ter uma ideia, tem hospital que está se negando a passar o prontuário médico do paciente. Um absurdo!

Diário - Os médicos estão mais preocupados?
Bruna – Estão até contratando seguros específicos para ações indenizatórias. Mas é bom que fique claro que não são apenas médicos, mas todos os profissionais da área da saúde e instituições têm responsabilidades Tem que levar em consideração a carga excessiva de trabalho e a má remuneração dos profissionais. Um médico, as vezes, comete um erro por desgaste físico. Isso ocorre na área pública e privada.

Diário – Também existe aventureiros?
Bruna – Sim, tem pessoas que querem que tudo vire processo com objetivo de levantar dinheiro. Eu já recebi no escritório um paciente inconformado e depois, consultando um médico que me auxilia, detectei que não houve erro algum. O médico havia seguido todos os protocolos e não teve culpa pela morte da pessoa.