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O medicamento pode revolucionar a prevenção, especialmente entre populações vulneráveis que enfrentam barreiras de acesso às formas tradicionais de PrEP
Apesar do potencial, o lenacapavir ainda não pode ser incorporado ao SUS por fatores econômicos e regulatórios / Freepik
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A aprovação do lenacapavir nos Estados Unidos, o primeiro antirretroviral injetável de longa duração para profilaxia pré-exposição (PrEP) ao HIV, representa um avanço promissor no combate à infecção. Com aplicação subcutânea semestral, o medicamento pode revolucionar a prevenção, especialmente entre populações vulneráveis que enfrentam barreiras de acesso às formas tradicionais de PrEP.
No Brasil, a PrEP oral diária, composta por tenofovir disoproxil e emtricitabina, é oferecida gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2018.
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O remédio mais caro do mundo também é oferecido pelo SUS
Embora eficaz, o esquema exige adesão diária e acompanhamento constante, o que dificulta a continuidade do tratamento em muitos grupos. Dados do Ministério da Saúde mostram altos índices de abandono precoce, comprometendo a eficácia coletiva da estratégia.
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O lenacapavir, por sua vez, atua como inibidor de capsídeo, uma nova classe de antirretrovirais, agindo em múltiplas fases do ciclo do HIV.
Estudos clínicos demonstraram 100% de eficácia na prevenção de infecções em diferentes populações, com destaque para mulheres cisgênero africanas e homens que fazem sexo com homens. A aplicação semestral reduz o estigma, simplifica o cuidado em saúde e aumenta as chances de adesão.
Apesar do potencial, o lenacapavir ainda não pode ser incorporado ao SUS. O primeiro obstáculo é regulatório: a Anvisa ainda não aprovou o medicamento como PrEP, o que impede sua análise pela Conitec, responsável pela incorporação de tecnologias ao sistema público.
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Recentemente, a Anvisa aprovou um remédio inédito para doença que atinge milhões de idosos
Atualmente, dois pedidos de registro do fármaco estão em avaliação na agência, um na forma injetável e outro em comprimidos. Ambos tramitam em regime prioritário, mas o tempo de análise pode variar conforme a complexidade do produto e a necessidade de complementação de dados técnicos pela empresa fabricante.
Outro entrave é econômico. Embora pesquisadores da Universidade de Liverpool estimem que o custo real de produção anual do lenacapavir varie entre US$ 25 e US$ 46 por paciente, o valor praticado atualmente nos Estados Unidos ultrapassa US$ 28 mil, mais de mil vezes acima do estimado.
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Essa discrepância gerou pressão internacional. O UNAIDS criticou publicamente a farmacêutica Gilead Sciences, responsável pelo medicamento, e pediu uma política de preços acessíveis. A empresa firmou acordos de licenciamento com 17 fabricantes de genéricos, beneficiando mais de 90 países de baixa renda, mas deixou de fora o Brasil, além da Argentina e da África do Sul.
A exclusão de grandes países de renda média, com elevada carga de HIV e sistemas públicos estruturados, acendeu um alerta global: a inovação pode se tornar seletiva, elitista e restrita ao Norte Global. A Gilead afirma que pretende aplicar uma política de preços escalonada para esses países, mas até o momento não apresentou propostas concretas ao Brasil.
A falta de definição sobre preços e acordos dificulta o planejamento do SUS e impede o avanço de discussões técnicas sobre a viabilidade da nova PrEP injetável. Em regiões com baixa cobertura da atenção primária, populações em situação de rua, mulheres trans, trabalhadores do sexo e pessoas privadas de liberdade, o lenacapavir pode ser a única alternativa viável e sustentável de prevenção.
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Apesar da estrutura do SUS, da experiência em campanhas de vacinação e da capacidade de produção por instituições, o Brasil continua fora das estratégias globais de acesso por não ser considerado suficientemente pobre, nem lucrativo.
Diante disso, especialistas alertam que é preciso uma resposta firme do governo brasileiro. A Anvisa deve acelerar a análise do medicamento, a Conitec precisa iniciar um debate público sobre sua incorporação, e o governo federal tem que negociar acordos de licenciamento e transferência de tecnologia.
A epidemia de HIV continua sendo um desafio no Brasil, com taxas de infecção elevadas em várias regiões. O lenacapavir representa mais do que um avanço científico, ele é uma oportunidade de reduzir desigualdades no acesso à prevenção. No entanto, sem vontade política, financiamento adequado e comprometimento com a equidade, o novo medicamento pode se tornar mais uma inovação inacessível para quem mais precisa.
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