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Líderes religiosos explicam que a luta climática representa direitos territoriais e o respeito por cultos ligados à natureza e aos povos negros e originários
A liderança de difentes crenças alertam que a luta climática também é uma questão de direitos territoriais / Toninho Castro/DL
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A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, também conhecida como a COP 30, está sendo palco de um debate sobre a relação entre fé, ancestralidade e preservação ambiental.
As lideranças de diversas crenças, com um enfoque especial nas religiões de matriz africana e nos povos quilombolas, alertam que a luta climática também é uma questão espiritual e de direitos territoriais.
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Para as religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda, a natureza não é apenas um recurso, mas sim um espaço sagrado e habitado por divindades, os Orixás e demais entidades, como caboclos, pretos-velhos, boiadeiros, baianos, marinheiros e malandros.
Dentro da pátrica do axé, os deuses são inerentes aos elementos naturais e a degradação ambiental, causada pelo homem ou não, é um ataque direto ao sincretismo e à prática da fé daqueles que respeitam e cultuam seus ancestrais.
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Alguns exemplos de orixás são Oxum, que é da água doce, Iansã são dos ventos, Nanã é representada pelo mangue, Yemanjá é a água salgada, Xangô é da pedreira, Ogum é dos ferros, enquanto Oxóssi é o Deus das matas, Exu é o guardião das encruzilhadas, Oxumarê representa o arco-íris e Oxalá representa um "todo".
Em conversa com o Diário, a mãe Tami d'Osun Opará, dirigente do Templo Luz de Oxaguian, explicou que, de fato, não há religião de matriz africana sem florestas: "Cada reza, passo na terra e contato com cada gota d'água é ensinamento para os filhos de santo. A força das matas é sabedoria ancestral que fala pouco, mas ensina muito àqueles que estão dispostos a evoluir".
"Eu costumo dizer que, em cada gira semanal, nós aprendemos um pouco mais sobre o trabalho das entidades, que anda lado-a-lado com o axé evolutivo. É quase impossível manter um trabalho espiritual sem um ramo de folhas verdes, sem acesso aos alimentos básicos, como coco marrom ou a canjica. Além disso, nossas funções e fundamentos exigem contato direto com elementos naturais. Preservar a natureza é também preservar a memória dos nossos ancestrais e a luta pelo respeito à religião", complementou a zeladora de santo.
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Confira abaixo um pouco convívio espiritual e dos rituais naturais do Templo Luz de Oxaguian, localizado em São Caetano do Sul, no ABC Paulista.
Em encontros paralelos e simultâneos à COP30, os povos de terreiro e quilombolas reforçaram a urgência de combater o racismo ambiental, que historicamente marginaliza e exclui essas comunidades das mesas de decisão sobre o clima.
Em outubro, a diretora executiva da Koinonia, Ana Gualberto, criticou a falta de espaço: "As comunidades negras tradicionais não têm sido ouvidos como atores e atrizes importantes para a preservação ambiental e para apresentar propostas de solução".
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Ana ainda destacou que estas comunidades já estão ativamente preservando o meio ambiente, e é fundamental que a sociedade e o Estado reconheçam essa atuação.
Os encontros, como a Cúpula dos Povos de Terreiro em Salvador e a I Cúpula das Vozes Quilombolas pelo Clima no Rio de Janeiro, visam dar visibilidade a quem vive a preservação há séculos.
Segundo Bia Nunes, presidente da Acquilerj, os quilombos foram a "primeira organização social brasileira" a manter e preservar os territórios. "Quando se fala de justiça climática na COP 30, não se pode, de maneira nenhuma, esquecer de quem vem, durante todos esses anos, mantendo o espaço na preservação", declarou ela.
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Vale citar que a luta pela regularização territorial é central. Dos mais de 5 mil terreiros identificados em Salvador, menos de 20% têm seu território garantido por lei governamental.
Entre os 54 quilombos fluminenses, apenas três possuem título de posse, muitas vezes sob a pressão de abrir mão de vastas áreas de terra. A especulação imobiliária e a violência urbana são fatores que empurram essas comunidades, que são guardiãs ambientais, para fora de seus locais sagrados.
O debate sobre a fé no clima ganhou relevância com o Balanço Ético Global (BEG) da COP 30, que busca incluir a diversidade cultural e espiritual na mobilização contra a crise.
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A ministra do Meio Ambiente e líder do BEG, Marina Silva, destacou que a união de diferentes credos se baseia em um "pilar sagrado comum, o fato de sermos humanos e parte dessa comunidade de vida".
A CEO da COP 30, Ana Toni, classificou o evento como um "grande mutirão, mas também uma grande comunhão", reconhecendo a força da fé para impulsionar a ação climática.
A voz dos povos de terreiro e quilombolas na COP 30 é um chamado ético de que a preservação do meio ambiente é inseparável da dignidade humana, da prática religiosa e da justiça social. É preciso reconhecer e proteger os guardiões da natureza para que a "casa comum" seja cuidada.
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