Política

Osmar Golegã será homenageado em Santos por luta contra a ditadura

Filho de Osmar Golegã fala sobre a prisão do pai no navio Raul Soares e sua resistência à ditadura em entrevista exclusiva

Luana Fernandes Domingos

Publicado em 26/05/2025 às 07:00

Atualizado em 26/05/2025 às 11:10

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Preso político durante a ditadura, Osmar Golegã será homenageado com a Medalha de Honra ao Mérito Braz Cubas / Reprodução/Arquivo Pessoal

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Preso político durante a ditadura militar brasileira, Osmar Alves de Campos Golegã será homenageado com a Medalha de Honra ao Mérito Braz Cubas, a mais alta honraria concedida pela Câmara Municipal de Santos.

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A cerimônia acontecerá nesta segunda-feira (26), às 19 horas, no Plenário Dr. Oswaldo Carvalho De Rosis, e será presidida pela vereadora Débora Camilo, autora do decreto legislativo que concede a medalha.

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Quem é Osmar Golegã?

Líder sindicalista e defensor dos direitos trabalhistas e sociais, Osmar Golegã foi perseguido e preso durante o regime militar. Ele esteve entre os detidos no navio-prisão Raul Soares, uma embarcação ancorada no Porto de Santos que se tornou símbolo da repressão no litoral paulista.

No porão úmido e abafado do navio, Osmar e outros presos políticos foram mantidos em condições degradantes, vigiados constantemente e submetidos a interrogatórios e tortura. O episódio marcou profundamente sua vida e consolidou sua imagem como um resistente à ditadura.

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Além de Rubens Paiva, ditadura militar prendeu e torturou outros 500 'santistas'.

Memórias de família

Em entrevista exclusiva ao Diário do Litoral, Alcino Golegã, filho de Osmar, relembra a trajetória do pai, os ideais que o moveram, a violência sofrida no cárcere e o impacto de seu legado na luta por justiça, memória e democracia no Brasil.

Diário do Litoral: Quem é o Osmar Golegã para você, além de um preso político? Como você o descreveria como pai e como pessoa?

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Alcino Golegã: Para mim, meu pai não foi um preso político, ele foi um injustiçado. Ele nunca teve uma militância política forte, era secretário-geral do sindicato da administração portuária. Com o golpe de 64, ele virou boi de piranha, como tantos outros nesse país. Ele sempre foi uma pessoa calma, conciliadora, prestativa, muito família, amiga, justa. Nunca vi ele fazer mal a ninguém. E mesmo com tudo o que passou, nunca ficou revoltado. É uma pessoa tranquila, que tenta viver em paz. Uma pessoa comum, mas daquelas que deveriam ser o padrão do cidadão brasileiro.

DL: Como ele fala sobre esse período na prisão? Ele costuma compartilhar o que viveu?

Golegã: No início, não. Demorou muitos anos para começar a contar. Foi quase como um pacto entre os que estiveram presos no Raul Soares. O que eles viveram foi tão traumático que optaram por guardar para si. Ele queria esquecer, não reviver aquilo. Só foi começar a relatar com mais profundidade depois dos 80 anos. Com 89, gravou um depoimento que virou livro. Ele nunca se vitimizou, sempre disse: “já vivi isso, não quero que ninguém mais viva”. Foi aos poucos que começou a falar, para que os erros não se repetissem.

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DL: Como foi a vida da família durante e depois da prisão?

Golegã: Foi trágico. Ele foi preso do nada, sem justificativa. Nós não entendíamos. Era só porque ele era sindicalista — e, na lógica da ditadura, sindicalista era comunista. A gente teve que sair de casa, viver de favor, sem dinheiro nem para um sabonete. Tínhamos um carro que foi escondido para não ser apreendido. Eu precisei sair da escola porque meu pai era “comunista” e a gente não conseguia mais pagar. A vida ficou muito difícil. Depois da soltura, ele não conseguia emprego. Abriu uma loja com um amigo, mas foi sabotado por um agente infiltrado do DOPS. A loja que ia bem quebrou. Depois, ele trabalhou com cinema, onde sustentou a família por anos. Foi muito difícil, mas conseguimos nos reerguer.

DL: Quais momentos ele costuma relembrar com mais frequência?

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Golegã: Ele não relembrava muito. Mas uma história ele contava: a da loja de autopeças que abriu com um amigo. Um agente do DOPS se infiltrou, fingindo ser funcionário, e denunciava os clientes ao DOPS. Isso afundou o negócio. Ele contava isso, depois, até com certo humor, mas é só um exemplo do nível da repressão que vivemos. O período pós-prisão foi tão ou mais difícil quanto a prisão em si.

DL: Quais são as maiores lições que ele deixou para você e sua família?

Golegã: Perseverança. Ele nunca desistiu, mesmo com tudo que passou. Nunca foi revoltado, sempre acreditou que a honestidade e o trabalho eram o caminho. Passou isso para nós. Ele e minha mãe sempre fizeram de tudo para que estudássemos. Eu e minha irmã conseguimos nos formar, seguir nossas carreiras. A lição dele foi essa: não somos melhores do que ninguém, mas somos capazes. Basta ter uma diretriz, viver com decência e não desistir. Hoje temos qualidade de vida e orgulho da nossa história.

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DL: E o que significa para você e sua família essa homenagem?

Golegã: É um reconhecimento. E, mais do que isso, é contar a história real. Porque até hoje, o que se contou foi a versão dos vencedores — os militares. A verdadeira história ainda precisa ser contada como deve.

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