No Brasil, mesmo sem regulamentação, cerca de 30 mil famílias adotam o ensino domiciliar, segundo dados da ANED / Rawpixel
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No dia 19 de maio, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 3179/12, que regulamenta a educação domiciliar, ou homeschooling, no Brasil. A proposta ainda deve ser analisada pelo Senado Federal, mas já divide opiniões.
De acordo com a Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED), o homeschooling já é adotado ou regulamentado em mais de 60 países. No Brasil, mesmo sem regulamentação, cerca de 30 mil famílias adotam o ensino domiciliar, como já fez Júlia (nome fictício), que é mãe de duas crianças, e educou os filhos em casa por cerca de cinco anos.
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“Eu e meu marido optamos pelo homeschooling porque acreditamos que muitos valores passados pela escola não se encaixam com os nossos valores, o que pode confundir as crianças. No ano passado, fomos denunciados para o Conselho Tutelar e, hoje, nossos filhos frequentam uma escola. Eles não tiveram dificuldades de acompanhar o conteúdo, entretanto, tem sido muito difícil para eles se acostumarem com essa nova rotina, com esse ritmo. Se o projeto entrar em vigor, certamente, vamos retomar as aulas em casa”, diz a mãe.
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O respeito ao ritmo do aprendizado é um dos pontos elencados por quem defende o ensino domiciliar. Em entrevista à revista Educação, Rick Dias, presidente da Aned, falou sobre o assunto: “A educação domiciliar é uma modalidade de ensino libertadora para pais e filhos. Através dela é possível trabalhar com o educando de forma personalizada, respeitando ritmo e estilo de aprendizado de cada um”. Ele ainda apontou outros benefícios, como o favorecimento do autodidatismo e o fortalecimento dos vínculos familiares.
Tem direito, mas com ressalvas
Na opinião do Doutor em Educação Ismael Rocha, diretor acadêmico do ITEDUC – Institute of Technology and Education, as famílias possuem o direito de escolher como educar os seus filhos, mas isso deve ser feito seguindo alguns parâmetros.
“O homeschooling é uma realidade que já existe em muitos países no mundo, inclusive no Brasil. As famílias devem ter a liberdade de escolher de que maneira querem educar os seus filhos, pois o que a Constituição brasileira trabalha é que as crianças sejam educadas, frequentem uma escola, mas muito mais pelo aprendizado do que pelo espaço físico em si. Portanto, é legítimo que as famílias possam escolher”, diz Rocha.
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Por outro lado, aponta o especialista, o homeschooling tem alguns aspectos negativos, que estão ligados às limitações que a modalidade traz para as crianças. “O ensino domiciliar traz a necessidade de que as famílias aumentem o leque de atividades e não se limitem ao ensino do conteúdo tradicional. Isso porque o trato coletivo é necessário nessa faixa etária, pois não ter convívio com outras pessoas vai limitar a capacidade de relacionamento presente e futuro dessas crianças, além de impactar os aspectos cognitivos, de estruturação da linguagem e da cidadania. Então, ao optar pelo homeschooling a família precisa complementar esses aspectos que o ensino domiciliar não abrange.”
Opinião parecida tem a Secretária de Educação de Santos, no litoral paulista, Cristina Barletta. Para ela, é preciso respeitar a decisão de todas as famílias. Porém, ela vê o ensino domiciliar com ressalvas.
“A frequência da criança na escola é importante porque garante a convivência. Entendemos que o ensino domiciliar não colabora em nada com o desenvolvimento das crianças, visto que família e escola possuem papeis diferentes e devem ser complementares. Na escola o aluno interage com seus pares, socializa, aprende a conviver com a diferença, aprende a cidadania”, ressalta.
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A secretária aponta ainda que é na escola que crianças e adolescentes podem ter suas necessidades atendidas, sendo que é ali que, muitas vezes, elas denunciam situações adversas.
Sem direito à educação e proteção social
O ponto levantado pela secretária de Santos é uma das observações do Todos Pela Educação, entidade que é contrária ao projeto. Em um posicionamento publicado em seu site, a organização diz que o eventual avanço da tramitação da proposta pode “limitar a possibilidade de que casos de vulnerabilidades sociais, abusos e violência domiciliar sejam identificados e encaminhados para os órgãos responsáveis”, visto que, no Brasil, as escolas são importantes instrumentos de proteção social.
A entidade aponta ainda que a educação domiciliar não é capaz de atender aos três objetivos da Educação, que seriam: pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
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“A educação que acontece na escola vai muito além do ensino daquilo passível de ser avaliado em provas. Por exemplo, o convívio com crianças e adultos fora do círculo íntimo da família, a interação com ideias e visões de mundo contraditórias às que são expostas em casa, as trocas de experiências e interações mais diversas fazem parte do desenvolvimento dos estudantes. Dizer que pais ou responsáveis legais precisam garantir a convivência familiar e comunitária do estudante, como faz o Projeto de Lei, não assegura, de forma alguma, que isso ocorrerá”, lembra o Todos Pela Educação, que ressalta ainda que, após dois anos de escolas fechadas, esta não deveria ser a prioridade da educação no momento.
O que diz o Projeto de Lei?
De autoria de Lincoln Portela (PL-MG) e relatoria de Luisa Canziani (PSD-PR), o projeto regulamenta o ensino domiciliar no Brasil, autorizando a modalidade desde que os responsáveis sigam algumas regras, como comprovar escolaridade de nível superior ou tecnológica, apresentar certidões criminais e seguir os conteúdos curriculares, conforme a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
A medida prevê ainda que as crianças e/ou adolescentes estejam matriculadas em uma instituição de ensino, na qual terá encontros semestrais e será avaliada anualmente. Caso o estudante seja reprovado duas vezes seguidas ou três alternadas, terá que frequentar a escola presencialmente.
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