Papai Noel sentado com suas havaianas observando a polarização no Brasil / Imagem gerada por IA/DL
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Já dizia o poeta que o Brasil não é para amadores, mas ultimamente ele não tem sido nem para profissionais gabaritados. Chegamos àquele momento do ano em que as luzinhas piscam, o tio do pavê prepara a piada (que agora passa por revisão jurídica prévia para evitar cancelamentos) e o clima de paz e amor tenta, heroicamente, sobreviver ao grupo de WhatsApp da família. Mas, neste Natal, a estrela de Belém foi ofuscada por uma sandália de borracha.
Sim, meus caros, a polarização brasileira atingiu o nível do calçado. Se antes a briga era sobre quem roubou quem ou quem salvou o país, agora o debate nacional gira em torno do "pé direito".
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Para quem estava em Marte ou num retiro espiritual sem 4G, explico: a Havaianas lançou um comercial com a Fernanda Torres sugerindo que, em 2026, a gente não comece o ano com o "pé direito", mas com os dois pés. Foi o suficiente. A internet, essa grande ágora de sensatez (só que não), entrou em colapso.
De um lado, bolsonaristas viram na frase uma afronta ideológica. "Pé direito" seria uma metáfora para a Direita política? "Os dois pés" seria uma invasão comunista bipede? Vídeos de gente jogando chinelos no lixo viralizaram mais rápido que fake news em dia de eleição. Do outro lado, a esquerda, que adora uma semiótica, já estava pronta para defender a sandália como símbolo da resistência proletária — esquecendo, talvez, que ela custa quase cem reais no shopping.
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No meio disso tudo, o brasileiro comum, aquele que só queria um chinelo que não arrebentasse a tira no meio do churrasco, ficou olhando para os próprios pés sem saber se estava pisando em ovos ou em minas terrestres.
O problema é que a gente desaprendeu a ver as cores. Tudo virou código. Camisa amarela? Coxinha, patriota, talvez esteja indo para a Paulista. Camisa vermelha? Petralha, comunista, vai invadir sua casa de praia (que você não tem).
E sobrou para o Bom Velhinho. Pobre Papai Noel. O sujeito trabalha um dia por ano, vive no Polo Norte (onde o aquecimento global já é problema suficiente) e agora precisa lidar com a suspeita de ser um agente infiltrado de Karl Marx. Afinal, ele veste vermelho. Pior: distribui presentes de graça. Assistencialismo? Populismo natalino? Se ele aparecer de verde e amarelo, vão dizer que foi financiado pelo agro. Se aparecer de azul, é "menino". A solução talvez seja um Papai Noel de bege. Neutro. Sem graça. Mas seguro.
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O mais divertido — se não fosse trágico — é observar as caricaturas que criamos. Para a direita mais exaltada, a esquerda é um bando de gente que quer transformar o Brasil numa Venezuela onde todos seremos obrigados a comer cachorro (mas com pronome neutro). Para a esquerda mais inflamada, a direita é um exército de tios do "zap" que acreditam que a Terra é plana e que vacina implanta chip 5G da China.
No fundo, Lula e Bolsonaro viraram entidades quase mitológicas que habitam nossas neuroses diárias. Um espirro hoje em dia é político. "Saúde!" "Saúde é coisa de esquerdista que defende o SUS!" ou "Espirrou por quê? Tá com medinho de vírus, seu globalista?".
Talvez a única solução seja rir. Rir de como transformamos uma propaganda de chinelo em crise diplomática. Rir de como temos medo da cor da roupa do Papai Noel.
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Neste Natal, a sugestão é radical: que tal deixarmos a política na porta, junto com os sapatos (seja pé direito ou esquerdo)? Vamos comer o peru, o chester ou a proteína de soja em paz. Se alguém falar do Lula, ofereça rabanada. Se falarem do Bolsonaro, ofereça farofa. E se a discussão esquentar, lembre-se: em 2026, o importante não é com qual pé você entra, mas torcer para que a gente ainda tenha chão firme para pisar.
E se for presentear alguém com Havaianas, por via das dúvidas, compre uma azul marinho. Ou preta. O preto emagrece e, dizem, combina com tudo — até com o luto pelo nosso senso de humor.