07 de Outubro de 2024 • 09:12
Prefeito João Dória ignora o órgão municipal de segurança alimentar / Divulgação/Fotos Públicas
No domingo (8), o prefeito João Doria não descansou, mas recorreu a uma série de referências bíblicas para lançar a farinata, composto feito a partir de alimentos que estão próximos da data de vencimento, ao qual se referiu como um produto "abençoado".
Antes de fazer uma corrente e dar as mãos à mulher, Bia Doria, e a secretários presentes, o prefeito distribuiu amostras do granulado em um pote com um adesivo da imagem de Nossa Senhora Aparecida, onde lia-se "Intercedei por nós". "Parece biscoito de polvilho", segundo palavras usadas pelo prefeito para divulgar o composto.
Apenas alguns dias depois, reações negativas ao produto fizeram Doria partir direto para o inferno da inquisição das redes sociais, sem nenhuma escala no purgatório.
Rapidamente ele se deparou com a outra face da interação on-line ao ver a proliferação do termo "ração do Doria" numa referência ao composto. O secretário de Assistência Social, Filipe Sabará, fez as vezes de Judas, embora involuntária, ao fazer cara feia diante da câmera de uma emissora de TV ao comer um biscoito feito de farinata.
O barulho fez o prefeito se voltar para as câmeras novamente para "elucidar o que motivou tanta polêmica, aliás, desnecessariamente". Em vez de Alimento para Todos, conforme havia batizado primeiramente o composto alimentar, Doria usou o termo Alimento Solidário, na introdução à explicação, e recorreu ao cardeal Dom Odilo Scherer. Em um ato simbólico, Doria convocou uma coletiva de imprensa onde protagonizou mais uma referência cristã e dividiu com o cardeal um pedaço de pão feito com a farinha processada.
Ali, num supetão, anunciou a farinata na merenda escolar da cidade. A gestão inteira foi pega de surpresa, e Doria voltou atrás no dia seguinte -e ainda colocou em dúvida a distribuição para as famílias mais carentes.
Resolução
A discussão foi intensa nas redes sociais, mas passou ao largo de um órgão municipal importante criado justamente para definir as prioridades em relação às medidas voltadas à segurança alimentar e nutricional da população.
A gestão Doria está há dez meses sem organizar reuniões do órgão que tem a função de executar e coordenar ações ligadas à alimentação de qualidade, conforme previsto em decreto municipal de maio do ano passado.
A Caisan (Câmara Intersecretarial de Segurança Alimentar e Nutricional) é formada por integrantes de sete secretarias municipais e deveria se reunir todo mês, o que não acontece desde o ano passado, ainda na gestão de Fernando Haddad (PT).
Apesar de não ter caráter deliberativo, a Câmara foi criada para institucionalizar as políticas relativas à alimentação no município e deveria ter discutido a implantação da farinata, o que não ocorreu.
A atitude do prefeito foi considerada por entidades do setor como um retrocesso na forma como a nutrição deve ser encarada pela esfera pública. "As decisões relacionadas à nutrição estão centralizadas no gabinete do prefeito sem respeitar o decreto", diz André Luzzi, conselheiro da ONG Ação da Cidadania contra a Fome e a Miséria.
A entidade foi fundada em 1993 pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, e tem importante atuação no combate à desnutrição.
Instalada em São Paulo em 2015, a Caisan é o mecanismo que integra o município ao Sisan (Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional) e é responsável por viabilizar ações previstas no Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional.
Elaborado em 2016 e com validade de quatro anos, o primeiro plano elaborado para o município prevê medidas como distribuir 5.000 cestas básicas por mês a famílias em situação de vulnerabilidade social e controlar o preço de cerca de 20 produtos nos mercados municipais para estimular o consumo de frutas, verduras e legumes.
Além disso, uma resolução de novembro de 2016 obriga essa câmara a monitorar a cada seis meses o andamento do plano, o que ainda não aconteceu na gestão Doria.
Outra lacuna no acompanhamento nutricional dos paulistanos, essencial para a implantação de projeto como o proposto pelo prefeito, é a falta de informação sobre desnutrição infantil.
A lei que torna compulsória a notificação de crianças desnutridas ainda não foi regulamentada, apesar de ter sido sancionada em 2013. "Sem esses dados é impossível priorizar quem deve ter acesso ao alimento com urgência", afirma Luzzi.
Procurada, a Prefeitura de São Paulo disse apenas que a frequência das reuniões não é prevista em lei. A Secretaria Municipal de Trabalho e Empreendedorismo, responsável por convocar as reuniões da Caisan, não respondeu aos questionamentos, assim como a Secretaria de Saúde, que foi procurada para comentar a falta de dados sobre desnutrição infantil.
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