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Brasil pode sofrer instabilidade política com prisão de Bolsonaro

Experiências anteriores mostram receio de investidores e eventuais recessões

Da Reportagem

Publicado em 12/09/2025 às 22:01

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A defesa de Bolsonaro entrará com recurso para tentar uma redução penal / Tânia Rêgo/ Agência Brasil

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Nesta quinta-feira (11), o Supremo Tribunal Federal (STF) finalizou o julgamento da chamada “Trama Golpista”, a ação penal contra Bolsonaro e mais sete réus por tentativa de golpe de Estado. A sentença saiu no mesmo dia e a tendência é que ela abale o cenário político-econômico brasileiro nos próximos dias.

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Bolsonaro e sete réus foram julgados e condenados por diversos crimes como associação criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, uso indevido de bens públicos e incitação ao crime. Eles negam as acusações, mas podem receber condenações de até 40 anos de prisão.

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A defesa de Bolsonaro entrará com recurso para tentar uma redução penal, usando como argumento a idade e as condições de saúde do réu. A sentença seguiria um caminho semelhante ao do ex-presidente Fernando Collor de Mello, que cumpre prisão domiciliar humanitária desde maio de 2025. 

Medo do futuro?

Ainda não está totalmente claro como o cenário político-econômico do Brasil reagirá à uma eventual prisão de Bolsonaro, mas é possível levantar hipóteses com base em experiências anteriores, como no processo de impeachment de Dilma Rousseff por pedaladas fiscais em 2015 e na condenação de Luiz Inácio "Lula" da Silva por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em 2017.

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No caso de Dilma, o Brasil enfrentou uma das piores crises da história recente, apresentando alta da inflação e desemprego, além de quebra de confiança no mercado internacional. Até houve expectativa de melhora sob comando de Michel Temer, que entrou no governo implementando diversas reformas, como o teto de gastos, mas o País demorou mais dois anos para se reerguer.

A recuperação do Brasil veio junto com a redução de juros, estímulo de consumo, controle de inflação e um lento recuo de desemprego no País. Foi nesse momento que o mercado financeiro demonstrou altas expectativas com a condenação de Lula e a possível chegada de candidatos mais liberais, como Ciro Gomes, Álvaro Dias, Henrique Meirelles e - claro - Jair Bolsonaro.

Por outro lado, a anulação da condenação de Lula em três instâncias trouxe instabilidade ao cenário político brasileiro, principalmente, quando o dólar americano voltou a disparar. A situação ainda fez com que o Ibovespa, principal índice da bolsa nacional, caísse cerca de 4% em menos de meia hora. Houve receio de investidores internacionais com a indeterminação jurídica do Brasil. Algo parecido poderá ocorrer atualmente após a provável prisão de Bolsonaro.

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Segundo Fabiano Lourenço de Menezes, Coordenador do Curso de Relações Internacionais da UniSantos, o atual impacto será revelado nos próximos dias com uma possível “escalada na tensão que já existe entre Washington e Brasília”.  No entanto, ele “não acredita que a condenação geraria uma instabilidade no cenário político-econômico brasileiro”, nem impactaria em relações comerciais com a China, por exemplo.

“A única questão relacionada com esse tema seria do ponto de vista dos Estados Unidos. [...] Ainda não se sabe muito bem como vai acontecer, a gente precisará analisar as medidas que serão colocadas, né? [Mas] se olhar as primeiras sanções, o Brasil teria condições de retaliar os Estados Unidos, tem leis que permitem isso, mas o País não reagiu – o que é positivo, pois poderia piorar o cenário”, explicou Menezes.

“Um outro pronto que precisa ser considerado é o alinhamento estratégico [eleitoral] do Brasil e qual vai ser a linha que os candidatos de direita vão defender, porque a imagem dos Estados Unidos está muito presente com o capital do Bolsonaro”, completou o coordenador.

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Interferência americana

A conclusão do julgamento despertou ainda uma interferência no mercado nacional. Desde que Bolsonaro foi preso por descumprimento de medidas cautelares, os investidores passaram a avaliar o risco de novas sanções comerciais do governo americano contra o Brasil, embora o presidente Lula estivesse em busca de negociações no campo comercial visando as demandas do setor produtivo.

De acordo com a Milene Dellatore, Daytrader e Especialista em Investimentos e Diretora da MIDE Mesa Proprietária, “o mercado sempre precifica o presente olhando para frente” e essa insegurança financeira ocorre devido ao aumento do “ruído político, que vira preço: dólar mais volátil, curva de juros defensiva, bolsa com desconto”. 

“Só que o investidor experiente sabe separar o barulho do que realmente mexe no longo prazo. O que se enxerga é que, apesar das turbulências, as instituições seguem funcionando”, esclareceu Dellatore.

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Contudo, a depender do resultado do julgamento e da repercussão internacional, o presidente norte-americano Donald Trump deverá se manifestar negativamente contra a justiça brasileira, pois se posiciona a favor da anistia do ex-presidente Jair Bolsonaro. A situação aumentaria ainda mais estes “ruídos políticos”, pois as atuais sanções já despertam insegurança na população brasileira.

Após o resultado, Marco Rubio, secretário de Estado americano, também comentou a situação e disse que o governo dos EUA dará "resposta à altura". Antes disso, a embaixada dos Estados Unidos no Brasil chegou a compartilhar um vídeo em que a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, afirma que Trump deve utilizar o poder militar e econômico para "proteger a liberdade de expressão ao redor do mundo", muito embora o Brasil seja um País soberano. 

Leavitt ainda respondeu anteriormente, em entrevista coletiva, sobre a possibilidade de antecipar novas punições ao Brasil por possíveis e consideráveis atos de censura. Segundo ela, ainda não há qualquer ação adicional de Trump prevista para o cenário atual.

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"Liberdade de expressão é o tema mais importante de nosso tempo. É por isso que tomamos ações significativas em relação ao Brasil, na forma de sanções e utilizando tarifas, para garantir que países ao redor do mundo não punam seus cidadãos dessa forma”, descreveu a porta-voz. “Mas posso dizer que esta é uma prioridade para o governo, e o presidente não tem medo de usar o poder econômico e o poder militar dos Estados Unidos para proteger a liberdade de expressão ao redor do mundo".

Apesar das supostas ameaças da Casa Branca, Dellatore ressalta que as decisões do poder judiciário brasileiro devem ser respeitadas até pelo mercado investidor, ainda que não concorde com os julgamentos. A especialista também menciona que essa não será a primeira vez que o Brasil passa por uma instabilidade política e midiática, tampouco deverá “quebrar” com a repercussão.

“Se fosse em outro país emergente, talvez já teríamos visto fuga de capital em massa. Aqui, o que o investidor percebe é resiliência institucional. Não importa se concorda ou não com cada decisão, o fato é que as regras têm sido respeitadas, os choques são absorvidos e o jogo segue. Esse é o recado que segura o dinheiro grande no País”, afirmou Dellatore.

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“Para as empresas e para quem investe, a lição é a mesma: [que a] instabilidade política não é novidade no Brasil. Por isso, o planejamento precisa ser construído com cenários, proteção e disciplina. No fim, o Brasil não quebrou [em crises políticas anteriores]. Ele oscila, ele precifica. Quem tem caixa, método e paciência sabe que o melhor preço aparece justamente quando o noticiário parece o pior possível”, completou a daytrader.

A história (não) se repete?

Diante da nova incerteza político-econômica, é importante esclarecer que as condenações de Lula e Bolsonaro ocorrem em contextos totalmente diferentes e principalmente com impactos internacionais distintos, conforme explica Caio Bartine, Professor, Doutor em Direito, Advogado Tributarista e Economista. 

“A condenação de Lula teve repercussão imediata na cena internacional, [pois] representou o enfraquecimento momentâneo de um projeto político de esquerda que, até então, vinha liderando um ciclo de governos progressistas na América Latina. O resultado foi uma retração de apoio externo, sobretudo da Europa, e um reposicionamento do Brasil na cena global, já que o País deixou de ser visto como confiável para conduzir pautas de integração e de combate à desigualdade”, recordou ele.

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“No caso de Bolsonaro, o eixo é outro. Sua condenação tem motivação mais ligada ao ataque às instituições democráticas e à tentativa de deslegitimar o processo eleitoral. Aqui, o impacto é sentido principalmente na percepção de risco institucional, há um abalo de confiança na estabilidade política interna, com reflexos na economia, no câmbio e na imagem do Brasil perante organismos internacionais. Mas, diferentemente de Lula, cuja condenação envolveu corrupção em larga escala, Bolsonaro é condenado por condutas que tangenciam a democracia e o Estado de Direito.”

Bartine também explica que a reação global da condenação também ocorreu de maneira mais ampla para Lula, com “governos, empresas e organismos multilaterais acompanhando de perto o processo”. A situação se deu devido à relevância que o Brasil exercia no cenário internacional no início dos anos 2010, quando cumpria seu segundo mandato como Presidente da República. 

“A mobilização internacional é mais restrita no caso de Bolsonaro. Quem se manifesta de forma mais enfática são líderes alinhados ideologicamente, como Javier Milei, na Argentina, e Donald Trump, nos Estados Unidos, que enxergam no ex-presidente brasileiro um aliado em uma agenda de direita populista e de enfrentamento às instituições tradicionais. Fora desse espectro, a repercussão é mais contida, vista quase como um problema interno brasileiro, com preocupação pontual sobre riscos democráticos”, completou Bartine.

Eleições à contragosto

Para além do cenário econômico, Jair Bolsonaro enfrenta um desafio ainda maior no âmbito político: seguir como uma das principais forças da direita no Brasil. Acontece que existe uma nova tendência que o coloca diretamente como apoiador de Tarcísio de Freitas em uma provável candidatura à Presidência da República em 2026. A situação afastaria o ex-presidente de outra corrida presidencial em 2030, quando estaria em tese elegível.

Embora a situação pareça confusa em um primeiro momento, a anistia costurada pelos parlamentares não inclui a inelegibilidade de Bolsonaro, que fora declarada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2023. A história parece se repetir ao cenário vivido por Lula em 2018, quando o candidato petista foi preso pela Operação Lava Jato e declarado inelegível pelo TSE.

Na época, Lula até tentou manter seu legado político mesmo encarcerado em Curitiba, porém teve que indeferir sua candidatura presidencial e seguir com o apoio a Fernando Haddad, que acabou perdendo as eleições daquele ano. Quatro anos depois, Lula conseguiu reaquecer o cenário eleitoral em meio à rejeição de Bolsonaro.

Em contrapartida, a atual situação de Bolsonaro parece ainda mais complicada do que a de Lula, visto que o ex-presidente não deve apostar na complicada candidatura de filhos, como Flávio ou Eduardo, para tentar manter-se no poder novamente. Desta forma, a declaração de apoio a Tarcísio seria uma forma de "entregar de bandeja" todo seu empenho no cenário político, embora tenha sido bem controverso.

Vale ressaltar que, ao contrário de Fernando Haddad e de Dilma Rousseff, o governador paulista deixa evidente que não possui laços estreitos com o Bolsonarismo, apesar de se declarar a favor da anistia e flertar publicamente com os votos de Bolsonaro para viabilizar uma possível candidatura em 2026. Ele tende a seguir carreira solo como figura da centro-direita no País.

O resultado do julgamento da “Trama Golpista”, que avalia a condenação de Jair Bolsonaro e mais sete réus, saiu na quinta-feira (11) após a votação da Primeira Turma do STF. 

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