A preocupação ambiental ganha força diante de evidências crescentes sobre os impactos das viagens à Antártica na criosfera polar e nos ecossistemas terrestres locais / Acervo Pessoal
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A próxima missão científica brasileira à Antártica terá um marco inédito: será a primeira expedição nacional ao continente com planejamento para compensar 100% de suas emissões de carbono. O projeto envolve pesquisas multidisciplinares para calcular a pegada de carbono gerada, além de estabelecer medidas para reduzir a emissão de poluentes e mitigar impactos inevitáveis. As informações são do The Conversation.
A iniciativa é liderada pela equipe do Projeto Criosfera 1, integrante do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR), com execução do Laboratório de Radioecologia e Mudanças Globais (LARAMG), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
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A ação conta ainda com a colaboração da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e da empresa de gestão ambiental Ambipar.
A preocupação ambiental ganha força diante de evidências crescentes sobre os impactos das viagens à Antártica na criosfera polar e nos ecossistemas terrestres locais.
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Estudos recentes da equipe do Criosfera 1, publicados na revista Science, apontaram efeitos concretos da deposição de aerossóis de carbono negro, um tipo de fuligem, e de microplásticos sobre a superfície de geleiras, mantos e plataformas de gelo, acelerando o derretimento da neve e do gelo.
Diante das rápidas transformações climáticas na região polar, os pesquisadores ressaltam que a Antártica e o Oceano Austral exercem influência direta sobre o clima global. Por isso, consideram essencial o desenvolvimento de ferramentas científicas que subsidiem decisões políticas mais eficazes.
A missão está programada para ocorrer entre o final de 2025 e o início de 2026 e será composta por quatro pesquisadores que irão trabalhar no Laboratório Criosfera 1. Segundo o planejamento, os gases de efeito estufa (GEE) considerados no cálculo são os definidos pelo Protocolo de Kyoto, de 1997, medidos em termos de CO equivalente (COe), para facilitar a comparação dos impactos no aquecimento global.
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O levantamento de emissões abrange desde o consumo de combustíveis fósseis até emissões indiretas, como o uso de energia elétrica nas acomodações, os impactos das estadias temporárias nos acampamentos logísticos e a geração de resíduos sólidos. Outras fontes relacionadas à presença humana em ambientes extremos também foram consideradas.
A análise preliminar indica que as principais fontes de emissão de COe estarão associadas às operações logísticas, como o deslocamento da equipe, as acomodações intermediárias e o acampamento na base Union Glacier, na Antártica Ocidental.
Durante a permanência no Laboratório Criosfera 1, os pesquisadores brasileiros não utilizarão combustíveis fósseis, operando exclusivamente com tecnologias de energia solar e eólica. No entanto, o transporte até o local envolve aviões comerciais, cargueiros como o Ilyushin IL-26 e o KC-390 Millennium, um navio de pesquisa polar da Marinha Brasileira e um trator de neve, utilizado para preparar a pista de pouso no laboratório.
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A ABNT validou as estimativas de emissões calculadas pela coordenação do Criosfera 1, que indicam a geração de cerca de 9 toneladas de COe para a missão. A iniciativa recebeu ainda uma certificação internacional de Carbon Free, com apoio da Ambipar.
O processo seguiu o Padrão Corporativo de Contabilidade e Relatórios do Protocolo GHG, contemplando os Escopos 1 e 3, metodologia reconhecida globalmente para quantificação e reporte de emissões de gases de efeito estufa. As estimativas foram registradas na plataforma pública GHG Protocol Tool – Versão 2023.0.3.
Como medida de compensação, a equipe já definiu o reflorestamento de 200 árvores nativas da Mata Atlântica em áreas desmatadas do estado do Rio de Janeiro. A ação será realizada em parceria com a Reserva Ecológica de Guapiaçu (REGUA) e contará com a participação de estudantes universitários e comunidades locais, ampliando o impacto social da iniciativa.
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Essa estratégia, baseada na “captura equivalente de carbono”, busca neutralizar as emissões inevitáveis da missão. A proposta está alinhada ao Plano de Trabalho Estratégico Plurianual do Acordo da Antártica (ATCM) e ao Plano de Trabalho Quinquenal do Conselho Estadual do Meio Ambiente (CEP), com a expectativa de se tornar um modelo replicável de monitoramento, prestação de contas e mitigação ambiental no contexto da ciência polar.
O projeto também se inspira nas metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, especialmente o ODS 13, que trata da urgência em reconstruir florestas tropicais e proteger biomas naturais como ação contra as mudanças climáticas.
Resultado de 30 anos de pesquisa, o Criosfera 1 foi instalado durante o verão de 2011/2012, fruto de uma iniciativa pioneira do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
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A estação representa a plataforma científica mais remota do Brasil e uma das poucas estruturas totalmente automatizadas em funcionamento no interior do continente antártico, localizada a 2.500 km ao sul da Estação Comandante Ferraz e a apenas 600 km do Polo Sul. No local, são monitorados de forma autônoma diversos parâmetros ambientais, como meteorologia, níveis de CO, concentração de carbono negro, ozônio de superfície, aerossóis, radiação cósmica (muons), acumulação de neve em tempo real, além de radiações UV-A e UV-B. Durante o inverno, a estação enfrenta temperaturas de até -55°C e seis meses de ausência total de luz solar.
O design estrutural da estação foi desenvolvido pela UERJ e construído na Suécia pela empresa Berco. No verão austral, a unidade opera com energia solar e, no inverno, conta com minigeradores eólicos verticais e horizontais. Todos os dados coletados são transmitidos via sistema ARGOS, recebidos e pré-processados pela UERJ e pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), sendo disponibilizados em tempo quase real.
A proposta de inventariar, mitigar e compensar as emissões de gases de efeito estufa nas missões científicas à Antártica marca um passo fundamental para a ciência brasileira. Em meio a rápidas transformações ambientais e impactos crescentes nos ecossistemas polares, com reflexos globais, a iniciativa reforça o compromisso com a sustentabilidade e demonstra que é possível aliar pesquisa científica de ponta à responsabilidade ambiental.
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