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Aproximadamente 95% dos oceanos ainda não foram estudados. O mapeamento de seu fundo continua sendo um desafio técnico e logístico, devido à profundidade extrema, à escuridão permanente, às baixas temperaturas e ao difícil acesso. Mesmo com tecnologias avançadas — como sonares de alta resolução e veículos submersíveis —, a vastidão dos oceanos representa um enorme mistério para a ciência.
Mas um grupo de pesquisadores decidiu encarar esse desafio com uma abordagem incomum: o lançamento de uma carcaça de vaca no mar.
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O experimento mais recente consistiu em afundar uma carcaça bovina a 1.629 metros de profundidade, em um talude continental no Mar do Sul da China, próximo à ilha chinesa de Hainan. A proposta era simular o naufrágio de uma baleia para estudar o comportamento de necrófagos — animais que se alimentam de organismos mortos.
Pouco tempo após o lançamento, os pesquisadores documentaram oito tubarões-dorminhocos-do-Pacífico se alimentando da carcaça. Foi a primeira observação registrada dessa espécie na região, ampliando inesperadamente seu mapa de distribuição e fornecendo dados valiosos sobre comportamento, hierarquia alimentar, adaptações fisiológicas e possível expansão geográfica.
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Comum no Pacífico Norte, o tubarão-dorminhoco foi avistado na costa sul da China — um local onde ele nunca havia sido registrado. A descoberta levanta questões sobre a verdadeira distribuição da espécie, possíveis migrações relacionadas ao clima e até a existência de populações locais ainda desconhecidas.
Durante a alimentação, os tubarões se revezaram sem demonstrarem agressividade — algo raro entre grandes predadores. O comportamento sugere uma possível hierarquia baseada em dominância, revelando uma estrutura social mais complexa do que se pensava.
Tubarões maiores, com mais de 2,7 metros de comprimento, demonstraram maior agressividade ao se alimentar. Já os menores se aproximaram com cautela, o que indica uma dinâmica que reduz conflitos mesmo em ambientes onde o alimento é escasso.
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Os pesquisadores também observaram uma retração ocular durante a alimentação, possivelmente uma adaptação evolutiva para compensar a ausência da membrana protetora presente em outras espécies.
Alguns indivíduos apresentaram parasitas oculares semelhantes aos encontrados em tubarões-da-Groenlândia, sugerindo uma proximidade evolutiva entre as duas espécies.
Mais do que tubarões
Além dos tubarões, o experimento atraiu grandes quantidades de peixes-caracol e inúmeros anfípodes, organismos que vivem próximos ao fundo marinho. Isso revela que o Mar do Sul da China abriga muito mais biodiversidade nas profundezas do que se imaginava, contrariando a ideia de que regiões tropicais profundas são biologicamente pobres.
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Segundo os cientistas, a presença dessas espécies não representa uma mudança recente, mas sim o reflexo da falta de dados sobre uma região ainda pouco estudada. O uso da carcaça bovina se mostrou não apenas eficaz, mas um poderoso atrativo ecológico, revelando interações biológicas complexas.
Em um cenário de mudanças climáticas e crescente pressão humana sobre os ecossistemas marinhos, estudos como esse são essenciais para compreender o funcionamento do oceano profundo — um dos ambientes mais inexplorados do planeta.
O surgimento de oito tubarões-dorminhocos, com comportamento coordenado e estratégias adaptativas surpreendentes, reforça a ideia de que ainda conhecemos muito pouco sobre as profundezas marinhas.
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