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Construída para ser o oposto do encarceramento tradicional, Halden se tornou um símbolo global de uma filosofia que aposta na dignidade, na reabilitação e na reintegração
Enquanto países enfrentam superlotação e reincidência recorde, a Noruega mostra que respeito e dignidade podem ser instrumentos mais eficazes que punição e violência / Divulgação
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A poucos quilômetros da fronteira com a Suécia, cercada por florestas densas e silêncio absoluto, fica a Prisão de Halden, no sudeste da Noruega — considerada por especialistas, jornalistas e organizações internacionais como a prisão mais humana do mundo.
Construída para ser o oposto do encarceramento tradicional, Halden se tornou um símbolo global de uma filosofia que aposta na dignidade, na reabilitação e na reintegração como caminhos para reduzir a violência e impedir que criminosos voltem a cometer delitos.
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A Noruega ostenta uma das menores taxas de reincidência da Europa: apenas 20% dos ex-detentos voltam a cometer crimes em até dois anos. Em países como o Brasil, o índice chega a ultrapassar 85%.
Halden nasceu de um projeto arquitetônico ambicioso iniciado em 2000 e inaugurado em 2010, com investimento de 1,5 bilhão de coroas norueguesas (cerca de R$ 800 milhões na época). O governo norueguês buscou criar uma prisão de segurança máxima, mas que simultaneamente simulasse o mundo exterior.
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Por isso, a penitenciária dispensa arame farpado, cercas eletrificadas, torres de vigilância e snipers.
Muro discreto de 6 metros envolvendo a área
Janelas sem grades
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Áreas arborizadas que imitam bairros comuns
Câmeras apenas nas áreas externas — não há vigilância em celas nem nas salas de convívio
O arquiteto responsável, Hans Henrik Hoilund, resume o conceito:
'Quanto menor a diferença entre a vida dentro e fora da prisão, mais fácil será a transição para a liberdade.'
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Cada preso vive em uma cela de 10 m² equipada com:
TV de tela plana
Mesa de trabalho
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Frigobar
Banheiro privativo com chuveiro
Janela vertical sem grades para entrada de luz natural
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A cada 10 a 12 celas, há uma cozinha completa e sala de estar compartilhada, com louças de porcelana, talheres de inox, sofás modulares e videogame. Os presos podem cozinhar suas próprias refeições com ingredientes comprados na pequena mercearia interna.
Durante o dia, a recomendação é clara: sair da cela.
Para incentivar isso, eles recebem 53 coroas por dia (aprox. R$ 25) para participarem das atividades.
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Uma 'mini cidade' dentro dos muros
Entre 8h e 20h, os internos circulam livremente entre:
Trilha de corrida
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Campo de futebol
Casa de Atividades
Estúdios de música e mixagem
Biblioteca com CDs, DVDs e revistas
Oficinas de marcenaria, culinária e música
Ginásio com paredes de escalada
Capela
No estúdio, os presos podem gravar músicas e até participar de programas mensais transmitidos em rádio local.
A equipe que atua na prisão inclui 344 profissionais, entre guardas, professores, psicólogos, terapeutas e assistentes sociais — para uma população de cerca de 245 detentos.
Halden também tem regras humanizadas para visitas:
Duas visitas privadas por semana, em quartos equipados com sofá, toalhas e preservativos
Espaço maior para presos com filhos, com brinquedos e fraldário
Chalé familiar, onde detentos aprovados podem passar 24 horas com a família
Para isso, é preciso cumprir regras rígidas de comportamento e passar por programas educacionais específicos.
Apesar do ambiente acolhedor, Halden é uma prisão de segurança máxima.
Ali cumprem pena:
Assassinos
Estupradores
Abusadores sexuais
Criminosos internacionais
Condenados por tráfico de drogas
Metade dos presos é de alta periculosidade. Estrangeiros representam quase 40% da população carcerária.
Criminosos violentos ficam concentrados na Unidade A, mais restrita, onde ocorrem a maioria dos poucos incidentes registrados.
Diferente de presídios convencionais, em Halden:
Brigas são tratadas com mediação supervisionada
Celas solitárias são usadas apenas como último recurso
Guardas e presos se tratam pelo primeiro nome
Metade do quadro de guardas é formado por mulheres, reflexo da filosofia de minimizar confrontos
A abordagem deu tão certo que a prisão inspirou projetos em outros países, como a HMP Grampian, na Escócia.
Embora a prisão seja admirada por especialistas internacionais, ela enfrenta críticas do Partido do Progresso (conservador), que alega que as condições de Halden são 'melhores que as oferecidas a muitos idosos noruegueses'. Para eles, estrangeiros não deveriam ter acesso ao mesmo padrão de vida em prisão.
Mas, para a maioria dos noruegueses, Halden simboliza algo maior:
Uma sociedade que acredita que a forma como se trata até mesmo o pior criminoso define o nível de civilização de um país.
A penitenciária já ganhou prêmios de arquitetura, inspirou documentários, inclusive de Michael Moore, virou estudo de caso em universidades e segue influenciando modelos de justiça restaurativa no mundo todo.
Enquanto países enfrentam superlotação e reincidência recorde, a Noruega mostra que respeito e dignidade podem ser instrumentos mais eficazes que punição e violência.