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Nesta cidade, morar embaixo da terra é a única saída contra situação extrema

Com temperaturas acima de 50 °C, moradores encontraram no subsolo a única forma de viver com conforto

Ana Clara Durazzo

Publicado em 26/12/2025 às 10:35

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Viver embaixo da terra, nesse contexto, deixa de ser excentricidade e se transforma em estratégia de sobrevivência / Reprodução

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No coração do outback australiano, a 848 quilômetros ao norte das planícies costeiras de Adelaide, uma paisagem quase surreal chama a atenção de quem percorre a estrada rumo ao centro do país. Em meio a uma imensidão de poeira rosa-salmão e vegetação esparsa, pequenas pirâmides de areia surgem espalhadas pelo deserto, acompanhadas por tubos brancos que se projetam do solo.

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Esses sinais discretos marcam a presença de Coober Pedy, uma cidade de cerca de 2,5 mil habitantes que encontrou no subsolo a solução para sobreviver a um dos climas mais extremos do planeta.

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Conhecida como a capital mundial da opala, Coober Pedy abriga uma peculiaridade que a torna única: cerca de 60% de sua população vive em casas escavadas nas rochas de arenito e siltito ricas em ferro da região. Na superfície, a cidade parece quase abandonada, com poucas construções visíveis.

Mas, abaixo da terra, existe uma rede de moradias confortáveis, estáveis e surpreendentemente frescas, onde a temperatura se mantém em torno de 23 °C durante todo o ano — mesmo quando os termômetros do lado de fora ultrapassam os 50 °C no verão.

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Sobrevivência ao calor extremo

O nome Coober Pedy vem de uma expressão aborígene que pode ser traduzida como ‘homem branco em um buraco’. A explicação se torna evidente nos meses mais quentes, quando o calor é tão intenso que aves chegam a cair do céu e aparelhos eletrônicos precisam ser armazenados em refrigeradores para não superaquecer.

Viver embaixo da terra, nesse contexto, deixa de ser excentricidade e se transforma em estratégia de sobrevivência. Enquanto as casas na superfície enfrentam verões escaldantes e noites frias no inverno, as moradias subterrâneas garantem conforto térmico constante, sem a necessidade de sistemas caros de ar-condicionado ou aquecimento.

Uma solução antiga para um problema moderno

Embora Coober Pedy chame atenção pela escala e pela adaptação extrema ao calor, o conceito de viver sob a terra está longe de ser novidade. Ao longo da história, humanos e até outras espécies buscaram refúgio subterrâneo para escapar de climas hostis.

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Há registros de uso de cavernas por ancestrais humanos há cerca de dois milhões de anos, além de cidades inteiras escavadas na rocha, como Derinkuyu, na Capadócia, na Turquia, que chegou a abrigar até 20 mil pessoas como refúgio contra invasões e variações climáticas severas.

Na Capadócia, as temperaturas externas variam de abaixo de zero no inverno a mais de 30 °C no verão, enquanto, no subsolo, permanecem estáveis em torno de 13 °C. Até hoje, essas cavernas são usadas como depósitos naturais para alimentos, aproveitando a refrigeração passiva proporcionada pela rocha.

Economia, silêncio e eficiência energética

Em Coober Pedy, os benefícios do estilo de vida subterrâneo vão além do conforto térmico. A cidade produz toda a energia que consome, sendo cerca de 70% proveniente de fontes renováveis, como vento e sol. Ainda assim, o uso de ar-condicionado acima do solo pode ser caro e impraticável. ‘Para viver acima da terra, você paga uma verdadeira fortuna com refrigeração’, explica o morador Jason Wright, administrador de uma área de camping subterrânea da cidade.

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As casas escavadas, por outro lado, costumam ser mais acessíveis. Imóveis subterrâneos de três quartos já foram vendidos por cerca de 40 mil dólares australianos, valor muito inferior ao preço médio das residências em Adelaide, a cidade grande mais próxima, onde os imóveis ultrapassam 700 mil dólares australianos.

Além disso, o ambiente subterrâneo praticamente elimina insetos, poluição sonora e luminosa, criando uma atmosfera silenciosa e estável. Há ainda relatos de maior proteção contra tremores de terra, já que as vibrações tendem a se dissipar nas camadas rochosas.

Limites da vida subterrânea

Apesar das vantagens, especialistas apontam que esse modelo não é facilmente replicável em qualquer lugar do mundo. Regiões úmidas enfrentam desafios como infiltrações, mofo e dificuldades de ventilação, problemas comuns em túneis e estruturas subterrâneas de cidades como Londres. Em Coober Pedy, essas questões são minimizadas pela aridez extrema e pela composição das rochas, que permitem escavações estáveis e bem ventiladas.

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Mesmo assim, riscos existem. Já houve casos de desabamento de casas subterrâneas mal posicionadas e acidentes durante ampliações, reforçando a necessidade de planejamento técnico adequado.

Um possível caminho diante das mudanças climáticas

Com ondas de calor cada vez mais intensas, incêndios florestais recorrentes e recordes de temperatura em diferentes regiões do planeta, Coober Pedy passou a chamar atenção como um laboratório vivo de adaptação climática. A pergunta que surge é se soluções semelhantes poderiam ser adotadas em outras partes do mundo.

Se o aquecimento global continuar avançando, especialistas avaliam que conceitos inspirados nas casas subterrâneas — como o uso da inércia térmica do solo e a refrigeração passiva — podem se tornar cada vez mais relevantes. Nesse cenário, as pirâmides de areia do outback australiano deixam de ser curiosidades exóticas e passam a simbolizar uma possível resposta humana ao desafio de viver em um planeta cada vez mais quente.

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