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A pequena ilha de Sommarøy ganhou fama mundial após um movimento inédito: os moradores decidiram abolir os relógios e viver de acordo com o ciclo natural do sol
Em vez de serem guiados por horários fixos, os habitantes passam a se orientar pelo corpo, pela luz e pela rotina natural / Wikimedia Commons
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No extremo norte da Noruega, além do Círculo Polar Ártico, existe um lugar onde os ponteiros pararam — literalmente. A pequena ilha de Sommarøy, com pouco mais de 300 habitantes, ganhou fama mundial como 'a ilha onde o tempo parou', após um movimento inédito: os moradores decidiram abolir os relógios e viver de acordo com o ciclo natural do sol.
A decisão é consequência direta de um fenômeno único. Durante o verão, o sol permanece visível 24 horas por dia por mais de dois meses, enquanto no inverno a ilha passa por longos períodos de escuridão quase total.
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Sem noites e com dias intermináveis, a lógica tradicional de horários simplesmente deixou de fazer sentido para os moradores.
A vida sem horários: trabalhar, comer e descansar quando der vontade
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A filosofia da ilha é simples:
as pessoas fazem o que têm vontade, quando têm vontade.
Em Sommarøy, crianças jogam futebol 'às duas da manhã', moradores pintam casas na madrugada, adolescentes nadam sob um sol que nunca se põe, e cortar a grama às 4h virou atividade comum.
'Nosso objetivo é proporcionar total flexibilidade, 24 horas por dia, sete dias por semana. Se quiser cortar o gramado às quatro da manhã, faça isso', resume Kjell Ove Hveding, idealizador da proposta.
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Em vez de serem guiados por horários fixos, os habitantes passam a se orientar pelo corpo, pela luz e pela rotina natural. Para muitos, isso reduz o estresse e promove uma sensação de liberdade rara no mundo moderno.
Para marcar a mudança, os moradores criaram um gesto icônico:
pendurar seus relógios na ponte que liga a ilha ao continente.
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A prática virou uma espécie de ritual local — semelhante aos cadeados do amor em algumas cidades turísticas mas aqui com outro significado:
libertar-se de horários, compromissos rígidos e da pressão do tempo.
Relógios de pulso abandonados já se acumulam no parapeito, e turistas são convidados a fazer o mesmo.
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No fim de maio, os moradores convocaram uma assembleia popular e assinaram uma petição para transformar Sommarøy oficialmente em uma “zona livre de horários”. As assinaturas foram levadas ao Parlamento norueguês (Storting), com o apoio de um deputado, em busca de reconhecimento legal.
Segundo Hveding, mais do que uma revolução, a medida apenas formaliza um estilo de vida que os moradores já praticam há gerações.
'No mundo todo, as pessoas sofrem com estresse e depressão. Muitas vezes isso vem da sensação de estar preso ao relógio. Queremos ser um fuso sem tempo onde todos possam viver ao máximo.'
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Apesar do entusiasmo, há quem veja desafios na proposta.
Moradores que trabalham com turismo — principal atividade econômica da ilha, ao lado da pesca — temem confusão entre hóspedes e visitantes, já que check-in, horários de restaurante e atividades guiadas dependem de organização.
'É emocionante, mas também sou cética. Vai ser um desafio para os hóspedes, principalmente com horários de entrada, saída e funcionamento', comentou Malin Nordheim, recepcionista de hotel.
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A iniciativa gerou discussão no país. Representantes do turismo norueguês afirmam que a proposta pode ser estratégia para atrair visitantes, aproveitando o sol da meia-noite e a curiosidade internacional. Mesmo assim, a ideia ganhou apoio de outras comunidades do norte da Noruega, que também convivem com ciclos extremos de luz.
Para os moradores, no entanto, a vida sem relógio reflete a essência da ilha — uma forma de abraçar o ritmo único imposto pela natureza.
Seja revolução cultural, protesto contra o ritmo acelerado do mundo moderno ou jogada turística, Sommarøy oferece uma provocação poderosa:
é possível viver sem horas marcadas?
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Num planeta cada vez mais acelerado, a ilha norueguesa virou símbolo de um desejo universal: desacelerar, respirar e seguir o próprio tempo — ou, no caso deles, seguir o sol que nunca se põe.