MUNDO
O jornal é o braço que restou do veículo após o fechamento determinado por Moscou na ofensiva contra a imprensa independente agravada pelo contexto bélico
Segundo a mídia estatal russa, cerca de 40 soldados invadiram as localidades e atiraram nos residentes / Reprodução/Twitter/Kremelin Rússia
Continua depois da publicidade
O Brasil precisa enviar sinais claros de seu posicionamento sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia após mais de um ano de conflito, afirma o jornalista russo Kirill Martinov, chefe de redação do Novaia Gazeta Europe. O jornal é o braço que restou do veículo após o fechamento determinado por Moscou na ofensiva contra a imprensa independente agravada pelo contexto bélico. Também é onde trabalhava Dmitri Muratov, que ganhou o Nobel da Paz em 2021, pouco mais de dois meses antes da invasão russa.
Faça parte do grupo do Diário no WhatsApp e Telegram.
Mantenha-se bem informado.
Continua depois da publicidade
"Esse é o tempo que a comunidade internacional, todos os governos democráticos --como o Brasil, que é líder da América do Sul--, precisam para enviar uma mensagem clara a [Vladimir] Putin: ele nunca terá nenhuma aliança se não interromper a guerra", disse Martinov à reportagem, em entrevista nesta segunda (13).
Para ele, a posição política de isolamento da Rússia é mais relevante que a aplicação de sanções comerciais e, portanto, a forma como a mensagem de repúdio à guerra é entregue deve ser decidida pela diplomacia de cada país.
Continua depois da publicidade
"[O Brasil] ainda não [deixou clara sua posição]. Eu acredito que é tempo de discutir este ponto. Foi dado um importante passo pelo presidente Lula ao aceitar o convite de [Volodimir] Zelenski para conversar. Eu acho que depois que ele olhar com seus próprios olhos, ele entenderá que há dois lados do conflito: a vítima e o agressor."
A posição de Martinov é compartilhada por Pavel Andreiev, ativista de direitos humanos e membro do Conselho de Administração da ONG Memorial --vencedora do Prêmio Nobel da Paz em 2022.
"Por um lado, eu entendo a posição [do Brasil] de definir estrategicamente sua diplomacia, mas, após um ano de guerra, nós não vimos nenhuma decisão do Brasil", disse. "Todo o mundo deveria dizer que é inaceitável, terrível, e que precisa se encerrar o mais rápido possível o conflito. Só Putin consegue encerrar a guerra de uma vez por todas. É uma decisão dele."
Continua depois da publicidade
Os dois russos integram uma comitiva, organizada pela União Europeia, que realiza uma série de viagens por países da América do Sul para discutir a Guerra da Ucrânia. Os objetivos incluem entender como ocorreu o processo de redemocratização nos países da América do Sul após os regimes militares, para compartilhar experiências.
No Brasil, o grupo deve se encontrar com integrantes do MPF (Ministério Público Federal) e com o ministro André Mendonça, do STF (Supremo Tribunal Federal). Todas as reuniões têm sido moderadas pelo jornalista russo Konstantin Eggert. Assim como Martinov, Eggert deixou o país devido aos constantes ataques a jornalistas e aos fechamentos de jornais desde o início do governo Putin.
"O principal inimigo dos autocratas é o tempo. Eventualmente, as pessoas começam a ficar cansadas, e esse é o momento em que Putin sofrerá danos", afirma.
Continua depois da publicidade
Na visão dos visitantes russos, diferentemente da experiência brasileira com as notícias falsas, o embate promovido na Rússia é para a ampliação do uso das mídias sociais. No país, a população é proibida de usar Facebook, Twitter e Instagram. Organizações não governamentais, porém, avaliam que até 5% dos russos usam softwares para driblar a censura de Putin e acessar as plataformas.
"Houve uma queda no acesso ao Instagram: no início do ano passado, o Instagram tinha cerca de 30 milhões de acessos por semana. Agora, eles têm somente 5 milhões --equivalente a 3% ou 5% da população da Rússia", diz Andreiev.
Para Martinov, é por meio desse mecanismo que a mídia independente na Rússia continua a reproduzir seus conteúdos --por menor que seja o alcance. O desafio atual é manter o interesse das pessoas em acompanhar o noticiário sobre a guerra e a violação aos direitos humanos após um ano de más notícias.
Continua depois da publicidade
"Neste momento, nós estamos lutando não somente contra esse problema técnico [de acesso às reportagens], mas também contra o problema cultural. O desafio é fazer as pessoas terem interesse no que nós estamos fazendo", conta.
A repressão do governo russo contra os veículos de comunicação aumentou desde o início do conflito na Ucrânia. A Rússia, por exemplo, determinou que é crime chamar o que acontece no Leste Europeu de "guerra" --a expressão usada pelo governo de Putin é "operação militar especial".
"O último ano foi muito duro para todos na Rússia. Pessoas que lutam pelos direitos humanos viram com a guerra que seus sonhos foram destruídos. Isso desanima", alega Muratov, com a ressalva de que o Nobel da Paz dado à ONG Memorial foi importante para "motivar os ativistas a seguirem no trabalho pela paz e pelos direitos humanos".
Continua depois da publicidade
"A estratégia da propaganda russa é tentar mostrar que o mundo inteiro está contra nós, que todos odeiam a Rússia. Essa é a narrativa deles. Por isso, é tão importante mostrar internacionalmente que os russos ainda acreditam no futuro da democracia de nosso país. Isso quebra a narrativa deles", afirma.