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Ataque dos EUA desafia cansaço de sírios com rotina de guerra há 6 anos

Para os sírios, contar cadáveres às dezenas, algumas vezes às centenas, tornou-se algo corriqueiro nestes seis anos de uma guerra brutal

Folhapress

Publicado em 08/04/2017 às 12:30

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Para os sírios, contar cadáveres às dezenas, algumas vezes às centenas, tornou-se algo corriqueiro nestes seis anos de uma guerra brutal / ASSOCIATED PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Leila Zahouri acendeu um, dois, cinco, mais de dez cigarros nas primeiras horas da manhã fria e ensolarada dessa sexta-feira em Homs.

Estava ansiosa com as notícias que chegavam pelo celular a todo instante. "Quatro soldados foram para o martírio, parece que alguns civis também", disse ela, entre uma baforada e outra, logo após o fim de mais uma ligação.

Leila não estava exatamente preocupada com o número de mortos do ataque aéreo americano nas primeiras horas da manhã de ontem.

Para os sírios, contar cadáveres às dezenas, algumas vezes às centenas, tornou-se algo corriqueiro nestes seis anos de uma guerra brutal que já dizimou quase meio milhão de pessoas.

O medo e a tensão que exalava nas tragadas curtas e repetidas tinha muito mais a ver com os significados que a decisão tomada pelo presidente Donald Trump do que com as vítimas de mais uma pequena tragédia familiar.

"Estamos cansados, esgotados, não aguentamos mais essa guerra, não aguentamos mais enterrar nosso filhos. Mas nosso futuro está nas mãos de Deus, venceremos todos os que querem nos destruir", dizia ela, tentando demonstrar algum grau de otimismo em meio à letargia que parece ter tomado conta dos sírios neste lado do país.

Funcionária do governo, Leila teve três filhos. Dois deles são soldados, lutando em dois dos fronts mais ativos nesse momento, em Palmira e em Hama. O terceiro morreu há dois anos, em Daara, no Sul do país.

"Nunca nos devolveram o corpo, não pude enterrá-lo", diz ela, com os olhos a lacrimejar, enquanto acaricia a foto do filho em um pequeno escapulário redondo que carrega no pescoço.

Na manhã de ontem, Leila era a síntese mais visível de como os moradores de Homs começaram a sexta-feira com a notícia dos ataques americanos.

Parcialmente destruída por combates ferozes entre as forças do governos e os rebeldes, Homs se tornou uma espécie da capital da insurreição popular contra Bashar al Assad em 2011.

Ao longo dos anos seguintes, a cidade se transformou em um campo de batalha aberto. "Eu perdi ao menos 30 amigos de infância, talvez mais. Nem me lembro ao certo quantos quantos morreram, quantos se foram, quantos simplesmente sumiram", diz Ali Abdul Kader, um engenheiro de computação de 26 anos que nasceu e cresceu em Homs.

"A revolução acabou, aqui todos são a favor de Bashar al Assad e nós vamos ganhar essa guerra contra quem nos desafiar, somos sírios", bradava ele em frente ao Virgin Café, onde na noite de quinta-feira, horas antes do ataque americano, jovens sírios divertiam-se, confiantes de que o pior da guerra havia passado.

Desde a semana passada, quando o secretário de Estado Americano, Rex Tillerson, deixara claro em Ankara, na capital da Turquia, que retirar do poder o presidente Sírio Bashar al-Assad, não era mais uma prioridade da Casa Branca, uma onda de euforia, ainda que bastante contida, tomou conta dos sírios.

Após vitórias importantes do regime, como a retomada de Aleppo e a expulsão do Estado Islâmico de vastas áreas controladas pelo governo, havia um sentimento de que a guerra, enfim, poderia estar se aproximando de um desfecho.

O ataque de ontem, especialmente em Homs, fez os sírios passarem a temer que a onda de otimismo que tomou conta do país tenha sido apenas isso, uma onda.

"Você quer saber a verdade? Eu vou lhe contar a verdade: eles nos atacaram hoje porque viram que os terroristas estão perdendo. Eles sabem que não foi o governo sírio que fez o ataque com armas químicas, não somos burros. Estados Unidos e Israel são os apoiadores do Daesh [acrônimo em árabe para o Estado Islâmico], será que agora o mundo não vê isso", dizia, nervoso, o taxista Mohamed Ghani, de 54 anos, fazendo eco às teorias que tomam conta das ruas sírias.

Ghani perdeu 10 parentes próximos nessa guerra. Tio, primos, sobrinhas, irmão pereceram nos últimos anos. Na vila de Khnekis, na província de Hama, ele conta em 160 o número de amigos, conhecidos e parentes distantes que foram mortos nesta guerra. "Estamos todos cansados disso".

Na mesquita de Drobe, no coração de Homs, o imã Nasouh Kilani, envia a mesma mensagem às centenas de homens que compareceram na oração do meio dia de sexta-feira, a mais importante para os muçulmanos sunitas.

"Eu peço a vocês, levem amor, precisamos acabar com esse banho de sangue, aceitem aqueles que voltam para nosso país, que desistiram das armas e aceitaram a reconciliação".

Kilani não fez menção ao ataque americano em seu discurso antes do início das orações, cujo tema, como tem sido comum, foi a guerra, a "crise", como os sírios que estão nas áreas controladas pelo governo se referem ao conflito.

Ao final, no entanto, o imã, fez questão de pedir a Deus que abra as portas dos céus a todos os soldados do exército sírio mortos em combate. "Que Alá nos conceda a vitória", disse, antes de iniciar a oração.

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