Litoral Norte

Anjos da noite: motoboys doam lanches a moradores de rua

Segundo eles, as doações geralmente são a única refeição do dia para muitos dos desabrigados

Folhapress

Publicado em 19/07/2020 às 12:45

Atualizado em 19/07/2020 às 12:47

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Moradores de rua recebem alimentação, bebidas quentes, roupas e agasalhos de quatro grupos de motoboys / REGINALDO PUPO/FOLHAPRESS

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Sob o sereno e um frio de 17 ºC, o casal Erik José da Silva, 39, e Ideusa da Silva, 53, recolhe-se para dormir em um deck de madeira ao ar livre instalado em uma praça, com os olhos fechados, mas com os ouvidos bem atentos, enquanto o sono não chega.

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É que todas as noites eles aguardam o ronco dos escapamentos e o som das buzinas de dezenas de motocicletas na madrugada para distribuir marmitas a moradores que vivem em situação de rua na região central de Caraguatatuba, no Litoral Norte.

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Erik, que deixou o sistema prisional no mês passado, vive com Ideusa após conhecê-la nas ruas. Para sobreviver, o casal trabalha com a venda de sucata, ofício que rende entre R$ 30 e R$ 40 por dia, nem sempre suficiente para comprar comida para eles e Cigano, o cão de estimação. Os três e um colega que divide o mesmo espaço na praça tomam banho em um córrego próximo.

O casal integra um grupo de entre 60 e 80 moradores de rua que recebem, diariamente, alimentação, bebidas quentes, roupas e agasalhos de quatro grupos de motoboys que atuam na cidade com entregas para restaurantes e pizzarias e que se revezam durante a semana para realizar a distribuição. Segundo os motoboys, cerca de cem pessoas já chegaram a ser atendidas em uma só noite.

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Postos de combustíveis são o ponto de encontro dos motociclistas, que se reúnem entre 23h30 e 0h30, após um exaustivo dia de trabalho. A partir dali, cumprem um roteiro pré-estabelecido, que inclui o terminal rodoviário, praças, a avenida da praia e quiosques à beira-mar do centro, Prainha e praia Martim de Sá.

Desta vez, as entregas não são para clientes. Nas "bags", como os motoboys chamam o baú térmico que carregam nas costas, a entrega é especial, cheia de solidariedade e de esperança para quem não teve o que comer durante todo o dia.

Os moradores em situação de rua não se incomodam em ser acordados em plena madrugada. Segundo os motoboys, as doações geralmente são a única refeição do dia para muitos dos desabrigados. As marmitas, assim como os refrigerantes ou sucos, são devoradas em segundos.

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"Esses motoqueiros são gente muito boa, educados e nos tratam com respeito e dignidade", disse Ideusa em tom de agradecimento, após receber caldo quente, chá e uma blusa de frio, que ela vestiu imediatamente, já que dormia apenas com uma camiseta e um cobertor fino quando foi abordada. A maioria dos moradores abordados não tinha algum tipo de roupa de frio.

Os "anjos da noite", como são chamados por alguns dos moradores das ruas, dão sequência a um legado iniciado por um colega, morto em um acidente há sete anos, que fazia a distribuição de marmitas com mais quatro amigos.

A reportagem acompanhou dois grupos de motoboys durante duas madrugadas. Um deles, o "26 da Norte LN", com 157 membros, é liderado por Everton Rogério da Silva, 29, dez deles como motoboy. Na primeira madrugada, cerca de 50 motoboys do grupo entregaram 59 marmitas.

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"Gosto de ouvir os moradores, pesquisar sobre eles nas redes sociais para tentar encontrar algum familiar. Já vi amigos de infância nas ruas. Também já conseguimos ajudar um ex-colega a voltar para sua cidade de origem e arrumar emprego para outro", conta.

Segundo Everton, as marmitas são produzidas por eles mesmos. "Os ingredientes são adquiridos por meio de vaquinhas entre nós e doações. Cada um colabora com o que pode, R$ 2, R$ 4, R$ 10", diz. Nas marmitas entregues havia macarrão, salsicha e café. "Cada semana mudamos o cardápio".

O segundo grupo acompanhado pela reportagem, o Família Motoboy 012 LN, com 177 integrantes, distribuiu 77 marmitas com caldo quente, com cerca de 20 motoboys.

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"Sei bem como vivem esses moradores, pois já passei por situação semelhante em minha cidade, Acopiara (CE). É triste vê-los passando por dificuldades", diz o líder do grupo, José Arludo Nogueira Gonçalves, 27, quatro anos e meio deles como motoboy.

Além do grupo de motoboys, ele decidiu criar outro, formado por amigos e vizinhos, para atender moradores prejudicados pela pandemia, com entrega de cestas básicas.

"Tenho apenas o sentimento de gratidão por ter a oportunidade de ajudar ao próximo, mesmo passando por dificuldades. Pois há tanta gente com muito, mas que infelizmente não doam", diz Nayara Maria dos Santos Penteado, 25, esposa de motoboy e uma das três mulheres que integravam o Família Motoboy.

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