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Guarujá

Senegaleses tentam superar crise com venda de bugigangas em praias do Guarujá

No verão marcado pela pandemia, imigrantes senegaleses trabalham como ambulantes

Folhapress

Publicado em 10/01/2021 às 17:22

Atualizado em 11/01/2021 às 16:39

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Com mochilas nas costas e as mãos sempre ocupadas em equilibrar caixinhas de som, roupas, chapéus e uma série de mercadorias, eles permanecem no país para ajudar a família que deixaram no Senegal / REPRODUÇÃO

O ambulante senegalês Mor. Seck, 36, diz ter feito uma promessa quando deixou Dacar, capital do país africano. Ganharia a vida longe de casa, mas seguindo a profissão de açougueiro, ensinada como uma tradição em sua família.

Há cinco anos no Brasil, a promessa já ficou para trás. Seck trabalha diariamente debaixo de sol escaldante nas praias de Guarujá, no litoral paulista, e mesmo em meio ao pior momento de vendas, reflexo da pandemia da Covid-19, ainda não pensa em voltar.

"Já tentei tantas vezes [sair da praia], mas não me dão chances. Minha esposa faz tranças para ajudar, mas as vendas nunca estiveram tão devagar. As pessoas aqui muitas vezes compram almoço para gente", conta o ambulante.

No verão marcado pela pandemia, imigrantes senegaleses trabalham como ambulantes vendendo bugigangas em praias como Astúrias, Pitangueiras e Enseada.

Com mochilas nas costas e as mãos sempre ocupadas em equilibrar caixinhas de som, roupas, chapéus e uma série de mercadorias, eles permanecem no país para ajudar a família que deixaram no Senegal. Seck tem uma filha de oito anos, criada pelos avós.

"A vida lá é muito pior, mais difícil. Chegamos a voltar para lá, ficamos alguns meses, mas decidimos retornar ao Brasil para tentar novamente", relata.

Armandou Malamine Diouf, 32, conta ter precisado de mais do que um prato de comida recentemente. Ficou dias de cama, com fortes dores no estômago, e sem forças para trabalhar.

O medo de procurar um hospital e ser preso -é um dos diversos imigrantes em situação irregular no país-, fez com que esperasse a recuperação lenta em casa. Ele afirma que não teve Covid-19, apesar de ambulantes e banhistas não usarem máscara nas praias.

"Sinto dor ainda, preciso que um médico me ajude. Aqui, cada um faz o seu. Mas se alguém está doente, nós ajudamos, damos um pouco do que ganhamos. Voltei agora devagar, sem carregar muito peso", explica Diouf.

Vestindo uma camisa de futebol do Barcelona, ele está há quatro anos no país e exaurido da rotina diária de vendas nas praias. Inicia, geralmente, às 9h e fica até às 16h, percorrendo praticamente todos os 5,6 km de extensão da Enseada, a mais movimentada do município.

As vendas, segundo relata, caíram vertiginosamente. Se em outros verões chegava a fazer R$ 1.000 diários em mercadorias, com lucro de R$ 250, agora os melhores dias são bem mais modestos, com vendas que não passam de R$ 300, mesmo trabalhando de domingo a domingo.

Parte dos ambulantes abordados pela reportagem fugiu de contato ou pediu para não ser fotografado. Um deles, ao notar a câmera e o bloco de anotações, ameaçou correr pensando se tratar de fiscalização.

"Já perdi minha mercadoria duas vezes. Moro com sete amigos senegaleses em Vicente de Carvalho [distrito de Guarujá], temos muita conta para pagar", conta Abdou-Fall, 32.

As mercadorias que vendem chegam quase em sua totalidade de São Paulo. Alguns dos senegaleses que moram na capital costumam vir para o litoral e trazem os produtos para a revenda. Novembro e dezembro são os melhores meses para as vendas.

"Quando não tem praia, vamos para o centro. Não dá tempo para mais nada, só trabalhar", conta Barra Diagne, 24, há dois anos no país.

A vida dos senegaleses no litoral paulista não é fácil. Contam não ter apoio de nenhuma organização ou mesmo da prefeitura, pela ausência de documentação. No pior momento da pandemia, também não puderam recorrer ao auxílio emergencial de R$ 600 oferecido pelo governo.

Eles dividem aluguel com mais compatriotas para pagarem as contas, o contato com familiares se restringe a aplicativos de mensagens. "Tenho muita saudade da minha esposa, às vezes choro. Tenho uma mãe de coração aqui no Brasil que me ajuda muito com comida", conta Abdulai Felhed, 27.

"Apesar da dificuldade, eles são muito generosos. Alguns já me presentearam com pendrive, caixinhas de som e até já me convidaram para ir conhecer onde moram. Já vi gente querer brigar com eles, sempre fogem de briga", relata José Maciel, 22, dono de um carrinho onde vende milho e coco na praia.
A prefeitura de Guarujá diz que tem um total de 1.250 licenças para ambulantes, todas atualmente ocupadas por trabalhadores da cidade, e que diariamente faz o controle de comércio ambulante irregular.

A fiscalização proíbe venda de caixas de som e óculos de sol, artigos mais vistos entre os imigrantes senegaleses, e disse que não há reclamações formais de outros comerciantes, como quiosqueiros, pela concorrência sem registro.

De acordo com último relatório mensal divulgado pelo OBmigra (Observatório das Migrações Internacionais), 60.497 imigrantes entraram no Brasil entre janeiro e agosto de 2020.

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