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Privatização ameaça tobogã do Pacaembu e já deixa torcedor saudoso

A arquibancada que traz lembranças de infância para esse e milhares de outros torcedores que frequentaram os jogos de futebol

Folhapress

Publicado em 27/09/2018 às 09:00

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A derrubada do setor faz parte do projeto aprovado pela prefeitura / Divulgação/Fotos Públicas

O produtor musical Cláudio Amaral do Valle, 62, já fala do tobogã, arquibancada mais popular do estádio do Pacaembu, com saudosismo.

"[Depois da construção] ficou mais barato e fácil de ir aos jogos. Na passarela da arquibancada tinha um banheiro com janela que servia como acesso ao estádio. Cansei de passar por baixo do portão também. Coisa de moleque", afirma o torcedor corintiano.

A arquibancada que traz lembranças de infância para esse e milhares de outros torcedores que frequentaram os jogos de futebol no Pacaembu pode estar com os dias contados.

Parte do pacote de desestatização da Prefeitura de São Paulo, o estádio deve passar por ampla reforma após ser concedido para a iniciativa privada. E o tobogã aparece como um dos principais candidatos a demolição.

A derrubada do setor faz parte do projeto aprovado pela prefeitura e por órgãos de preservação do patrimônio municipal (Conpresp) e estadual (Condephaat).

A arquibancada não faz parte do plano arquitetônico original do estádio inaugurado em 1940. Foi construída após a demolição da concha acústica -um grande palco onde eram realizados concertos e apresentações musicais–, em 1969, durante a primeira gestão de Paulo Maluf como prefeito da capital paulista.

Palco da Copa do Mundo de 1950, o estádio até aí era considerado o mais importante da cidade e local de realização dos principais clássicos entre os quatro maiores clubes do estado (Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo).

Foi em um desses clássicos, em 6 de dezembro de 1964, que Cláudio foi pela primeira vez ao estádio e se apaixonou pelo Corinthians, mesmo após o time ser goleado por 7 a 4 pelo Santos de Pelé.

"Eu me apaixonei pela galera, nunca tinha visto tanta gente fazer festa. Meu pai era santista e me levou. Acho que queria que eu visse o Pelé, mas o que me atraiu foi a torcida", diz o sorocabano.

Na época ele vivia em São José do Rio Pardo, no interior de São Paulo, mas vinha com frequência à capital para visitar sua avó, que morava na região.

Com isso, passou boa parte da infância jogando bola na praça Charles Miller, frequentando a piscina do Pacaembu e assistindo aos jogos de aspirantes no estádio, que, após a construção das novas arenas de Corinthians e Palmeiras, não recebe mais tantos jogos de alto nível.

A importância do Pacaembu para os clubes paulistas começou a diminuir ainda nos anos 1970, após o fim da construção do anel superior do Morumbi. A partir de então, o estádio do São Paulo passou a ser o palco preferencial para os jogos de maior público na capital.

Mesmo assim, o Pacaembu continuava sendo utilizado frequentemente pelos clubes paulistas. O estádio municipal foi tratado como a casa do Corinthians até 2014, quando o Itaquerão foi inaugurado.

O clube alvinegro é o que mais vezes atuou lá. Foram 1.696 jogos, o mais importante deles a vitória por 2 a 0 sobre o Boca Juniors na Libertadores de 2012, que deu ao time o título do torneio continental.

Um ano antes, também foi no Pacaembu que o Santos, então com Neymar, conquistou o seu terceiro e último troféu da Libertadores, com vitória por 2 a 1 sobre o Peñarol.

A utilização do Pacaembu nesses jogos só foi possível graças ao tobogã. Cabem na arquibancada cerca de 10 mil pessoas. Se ela não existisse, o estádio cairia dos atuais 40.129 lugares para cerca de 30 mil, capacidade insuficiente para receber uma final pelo regulamento da Libertadores.

Apesar disso, o recorde de  público do estádio antecede a construção da arquibancada. Na estreia de Leônidas da Silva pelo São Paulo, em 24 de maio de 1942 (empate em 3 a 3 com o Corinthians), o estádio recebeu 71.281 espectadores.

O Palmeiras também tem uma ligação histórica com o Pacaembu. Foi lá que o time alviverde conquistou 3 de seus 9 títulos nacionais: a Taça Brasil de 1960, o Torneio Roberto Gomes Pedrosa de 1967 e o Brasileiro de 1994. Ainda hoje, a agremiação alviverde tem o estádio municipal como sua segunda casa.

Assim como o Santos, que sediou no estádio a maioria de suas partidas na Libertadores deste ano e atua com frequência no estádio. Nesta quinta-feira (27), às 20h, por exemplo, o time recebe o Vasco em jogo adiado da terceira rodada do Campeonato Brasileiro no Pacaembu.

A concessão à iniciativa privada por 35 anos e o possível fim do tobogã, porém, tornam a futura utilização do estádio pelos clubes uma incógnita.

O processo havia sido suspenso pelo TCM (Tribunal de Contas do Município) em 15 de agosto, um dia antes da abertura dos envelopes que revelariam a empresa vencedora da concorrência pelo Pacaembu.

O órgão questionou a forma como deveriam ser comprovadas as qualificações das empresas que têm a intenção de assumir o estádio. Construcap CCPS, Consórcio Patrimônio SP e Consórcio Arena Pacaembu enviaram propostas, além da WTorre, após o prazo.

No último dia 5, o plenário do tribunal revogou a suspensão, mas impôs condições para que a prefeitura dê sequência ao processo licitatório.

Além do questionamento sobre a capacidade técnica dos licitantes, o TCM quer novos prazos para outros eventuais interessados em participar do certame e a formalização de um termo de anuência entre os governos municipal e estadual.

Através de sua assessoria, a Secretaria de Desestatização diz à Folha aguardar parecer da PGM (Procuradoria Geral do Município) sobre a decisão do tribunal para saber se acata as condições impostas de forma integral ou parcial.

Não há prazo para a retomada do processo de concessão antes disso, afirma o órgão.

Uma das principais bandeiras da gestão do ex-prefeito de São Paulo e atual candidato ao governo estadual, João Dória (PSDB), o pacote de privatizações, que também inclui parques, cemitérios, terminais de ônibus, entre outros itens, tem sofrido resistência.

Além das intervenções do TCM e dificuldades na Câmara, outro fator que tem pesado é a resistência do governador Márcio França (PSB).

O chefe do Executivo estadual se nega a ceder áreas que pertençam ao estado, como já havia feito em julho com o parque Ibirapuera.

De acordo com França, concorrente de Dória nas eleições, o estado detém "dois terços" da área do complexo onde está o estádio e deveria ter sido consultado para que a concessão pudesse ser realizada.
Em agosto, Wilson Poit, secretário de Desestatização e Parcerias da prefeitura, atribui o atraso no plano, agora tocado pelo prefeito Bruno Covas (PSDB), ao que chama de "judicialização excessiva" e ao calendário eleitoral.

Com a concessão do estádio municipal, a prefeitura projeta angariar R$ 500 milhões ao município em mais de três décadas, incluindo outorga, investimentos e impostos.

No ano passado, segundo a gestão Covas, houve gastos de R$ 8,3 milhões com o Pacaembu. Já a receita gerada pelo estádio foi de R$ 2,3 milhões.

O palco no qual Pelé fez 115 dos seus 1.281 gols, que já teve cafezinho servido nas arquibancadas e o "melhor cachorro quente de todos" (só pão e salsicha), segundo o torcedor Cláudio Amaral, aguarda pelo desfecho de mais esse capítulo da sua história.

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