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'Futebol brasileiro vai passar por um período muito difícil', diz Marin

Faltando menos de um mês para entregar seu cargo, o dirigente faz uma análise do que foi seu mandato de pouco mais de três anos desde que assumiu o cargo quando Ricardo Teixeira deixou a CBF

Publicado em 19/03/2015 às 14:00

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O futebol brasileiro passará "por um dos períodos mais difíceis" de sua história nos próximos anos quando a seleção disputar as Eliminatórias para a Copa de 2018. O alerta é do presidente da CBF, José Maria Marin, que não dá qualquer garantia de que o País estará no próximo Mundial da Fifa. "Será muito difícil", declarou.

Faltando menos de um mês para entregar seu cargo, o dirigente faz uma análise do que foi seu mandato de pouco mais de três anos desde que assumiu o cargo quando Ricardo Teixeira deixou a CBF.

Em tom de despedida, Marin recebeu o Estado de S. Paulo, um site e uma rede de televisão em um luxuoso hotel de Zurique para o que ele chamou de "uma conversa sincera". "Vou dizer coisas que nunca disse a ninguém", avisou logo de início.

Marin não poupou ninguém: apontou para a comissão técnica de Luiz Felipe Scolari e Carlos Alberto Parreira como responsável pela derrota da seleção na Copa do Mundo, acusou os clubes de estarem pagando salários "fora da realidade" para jogadores, criticou os dirigentes por não darem atenção às categorias de base, rejeitou a criação de uma liga de clubes e disse que o modelo de pontos corridos vai continuar.

O dirigente entrega seu cargo no dia 16 de abril e, questionado sobre qual seria o legado de sua gestão para o futebol nacional, ele apontou a construção da sede da CBF, que justamente leva seu nome. "Cumprimos o sonho da casa própria". Mas admite que o pesadelo de 7 a 1 ainda não foi superado. "Eu não me recuperei ainda". Marin ainda alerta: São Paulo corre o risco de ficar fora dos Jogos Olímpicos. Eis os principais trechos da entrevista:

O impacto do 7 a 1

Ficou patente a capacidade do Brasil de organizar uma grande Copa do Mundo. Mas eu sei que no campo, não foi o que esperávamos. Não estou transferindo responsabilidades. Mas é uma observação minha. Eu até hoje não me recuperei. Mas acho que detalhes decidem um campeonato. Nós perdemos a Copa contra a Colômbia. Eu fiquei desesperado no camarote. Quando fizemos 2 a 0, com gol de falta de David Luiz, a primeira coisa a fazer era tirar Neymar e Thiago Silva, que estavam com cartões. Não podia ter deixado ocorrer. Tínhamos um banco muito bom. Não perdemos apenas o nosso principal jogador, mas o aspecto psicológico. Alguém da comissão técnica deveria ter alertado depois do 2 a 0, alguém tinha de ter observado esse detalhe. Sem o Neymar, a equipe ficou desestruturada. Nunca disse isso a ninguém, nem a Felipão.

De quem foi responsabilidade?

A CBF deu todas as condições. Quem esteve na inauguração da Granja Comary, ouviu o que foi dito: "A CBF fez sua parte, agora cabe à comissão técnica". Confesso que não me recuperei até hoje. Não pela perda do campeonato, mas pela forma. Aconteceu em 1950. Eu estava preparado para tudo, mas a contagem é que eu não estava preparado.

2014 foi pior que 1950?

A Copa de 50 eu ouvi pelo rádio. Nesta, eu estava presente. Não posso dizer qual foi pior, as duas foram terríveis.

Eliminatória 2018

As Eliminatórias serão muito difíceis. Será um dos períodos mais difíceis do futebol brasileiro, temos uma grande evolução das outras equipes. Não existe mais na América do Sul equipe fácil. A evolução não foi apenas na parte técnica, mas também física. Por isso temos de exigir um compromisso total do jogador convocado. A qualidade do futebol na região mudou, isso é comprovado pelos atletas sul-americanos que estão em grandes clubes europeus e estão brilhando. O futebol vive de ídolos e nossos vizinhos hoje os tem. Isso cria uma torcida nova.

Marin apontou para a comissão técnica de Luiz Felipe Scolari e Carlos Alberto Parreira como responsável pela derrota da seleção na Copa do Mundo (Foto: Divulgação)

O que ocorreu com o Brasil?

Acho que a grande esperança do futebol brasileiro são as categorias de base. Os clubes e dirigentes devem se preocupar muito mais em categorias de base do que em fazer grandes investimentos em jogadores com discutíveis qualidades.

Lista de convocados 

Eu não abro mão de ver a lista de convocados antes, não sei se isso vai ser continuado por Marco Polo del Nero. Seleção não pode ser dirigida apenas pela comissão técnica. Em 1958, Feola foi importante, mas era uma comissão que dirigia. Nunca vetei ninguém. Algumas vezes eu trocava ideias de jogadores que eu observava, não sugeria convocação. Apenas dizia que tal jogador estava bem.

Empresários na seleção

Respeito o trabalho dos empresários, mas o local de trabalho das equipes precisa ser preservado, principalmente nas equipes de base. Não posso ter garantia de que isso tenha sido respeitado durante a Copa do Mundo. Jogador de base precisa se preocupar e mostrar seu futebol para sua equipe, e não querer mostrar seu futebol ao empresário. Não pode haver participação de empresários com comissão técnica.

Destaques do Brasil

Ainda considero a zaga do Brasil como a melhor do mundo. David Luiz e Thiago Silva se completam. E temos ainda Miranda. Nós temos uma riqueza grande em valores e há um trabalho de percorrer o mundo vendo jogadores de nacionalidade brasileira - principalmente os jovens - que têm possibilidades de chegar à seleção.

Ouro na Olímpiada

Temos ainda outra grande responsabilidade, que é a Olimpíada. Ela pode ser uma oportunidade para dar a alegria não demos na Copa, mas precisamos tomar todo o cuidado para não repetir o que aconteceu no Mundial. Exige a união de todos, serão duas etapas muito difíceis. O que deve prevalecer é a equipe. Quando prevalece o individualismo, não pode ser chamada de seleção. Isso compete a quem? Ao comando. Sou totalmente favorável de que o técnico tenha maior autoridade, mas visando sempre o coletivo.

Gallo

Eu não posso dizer que fiquei satisfeito com seleção sub-20 que perdeu de 3 (3 a 0, para a Colômbia). O (técnico Alexandre) Gallo fez um levantamento muito grande e até científico. Ele foi ver jogadores no mundo inteiro e principalmente aqueles que poderiam ter outra nacionalidade. Portanto, seu trabalho não foi apenas para identificar jogadores, mas para evitar perder alguém. Talvez Gallo estivesse sobrecarregado pelo trabalho e deu chance para que a equipe não correspondesse às expectativas. Analisando com frieza o trabalho do Gallo, ele tem méritos para continuar. Ele tem muitos mais pontos positivos que negativos. Não podemos pegar alguém que comece tudo de novo, as disputas estão ai, a Olimpíada está ai. O trabalho de pesquisa que ele fez foi muito bom e jogadores que estão aí, ele já havia nos alertado. Seria um desperdício jogar esse trabalho fora.

Dunga na Olímpiada

Depende das contingências. Dunga vai muito bem na seleção principal. Vai precisar aparecer um fato novo muito importante. Claro que é muito importante a Olimpíada, mas pelo trabalho que ele faz, está dando muito certo. Eu pedi que um jogo contra a Alemanha fosse organizado, inclusive na Alemanha. A Argentina foi lá e chegou a estar ganhando de 4 a 0 depois da Copa. Nós pegamos a Argentina em seguida e ganhamos de 2 a 0 de forma convincente. Isso quer dizer que está tudo resolvido? Não. Mas o Dunga está fazendo seu trabalho e de forma belíssima. O torcedor é exigente. No aspecto psicológico, o atleta que chega na seleção ouve do Dunga que ele já foi campeão do mundo, já foi capitão, já levantou a taça e já esteve em baixa e se recuperou. Essa é a autoridade moral do comando. O Dunga é o caminho certo.

Teria sido diferente com Dunga na Copa?

Não sei dizer. O que posso dizer é que o Dunga exige que a hierarquia seja respeitada. Mas ele também respeita a hierarquia.

Manaus como sede da Olímpiada 

Havia uma preocupação em razão da distância. Surgiram grandes dúvidas, mas eu e o Marco Polo del Nero fizemos ver que hoje a Amazônia é referencia do próprio país, e além de ter sido uma sede da Copa. Também as Olimpíadas já tiveram distâncias grandes. Nos EUA houve uma movimentação muito grande. Temos que destacar o COB (Comitê Olímpico Brasileiro) com Nuzman à frente. Estivemos reunidos no Rio, posteriormente houve uma comitiva muito grande do Estado e da prefeitura na CBF para fazermos uma defesa da realização da Olimpíada. Quase ficou de fora, mas foi feito um trabalho em conjunto. Além disso, o governador nos recebeu, chamou as maiores autoridades para nos receber e demonstrou que tudo que dependesse do Estado, eles fariam.

São Paulo pode ficar de fora da Olimpíada?

Existe o risco. Até hoje a CBF não foi chamada por São Paulo para falar e, se fôssemos, faríamos de tudo para ajudar. Mas nessa discussão eu não entro. Quando a CBF é solicitada, eu acho que é nossa obrigação procurarmos uma solução. Não podemos nos intrometer quando ninguém vem nos procurar num assunto que envolve o poder publico. Deixa essa resposta para a população de São Paulo. A CBF tem que se manifestar quando for procurada, até hoje não foi.

Pontos corridos x Mata-mata

A CBF é uma casa democrática, nunca houve tanto debate como agora. Uma mudança para ser feita precisa ter uma análise profunda, principalmente pela diversidade dos estados. Eu sou a favor dos pontos corridos e acho que vai continuar, na Série A e B. Para que alguém vai correr um risco de mudar?

Liga separada da CBF

Para que liga? Se já se pode fazer sugestões diretamente para a CBF, pode criticar a confederação. Para que liga? Para repetir o trabalho que já se faz graciosamente pela CBF? Não vejo necessidade de liga.

Salários

Precisamos estar conscientes da situação do futebol brasileiro. Os dirigentes precisam fazer uma união ou um compromisso entre eles no que se refere aos salários de jogadores e técnicos. Os salários estão fora da realidade. Nós temos que encarar isso com a maior realidade possível. Você não pode gastar mais do que tem. Os dirigentes precisam seguir esse caminho. Hoje, é uma coisa que foge totalmente à realidade. No lugar das grandes contratações, precisam voltar suas atenções para as categorias de base. Os ídolos vem das categorias de base.

Legado da Era Marin

O que me deixa muito feliz é que, em três anos, nós tornamos realidade o sonho da casa própria. A CBF tem agora sede à altura do futebol brasileiro.

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