Taylor Swift em sua nova faixa fala da história de Ofélia em Hamlet / Reprodução X/@AcervoCharts/John Everett
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A faixa de abertura, The Fate of Ophelia, confirmou o que muitos swifties já suspeitavam: o novo trabalho da cantora de 35 anos busca inspiração em uma das figuras femininas mais trágicas da literatura ocidental, Ofélia, da peça Hamlet, de William Shakespeare. O clipe oficial da primeira faixa do álbum será lançado em 5 de outubro (domingo) as 20h no horário de Brasília.
Além disso, o clipe poderá ser visto no 'The Official Release Party of a Showgirl', que será exibido a partir de hoje nas salas de cinema dos Estados Unidos. Segundo a Variety mais de 100 países anunciaram o lançamento em seus cinemas, alguns deles serão simultâneos, porém no Brasil, apesar de confirmada a chegada do filme por algumas empresas não a previsão de estreia.
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O especial de 89 minutos terá: "cenas dos bastidores das filmagens, assim como a novos vídeos com letras e reflexões pessoais inéditas de Taylor sobre as músicas do seu 12º álbum de estúdio".
Mas afinal, quem foi Ofélia? E por que a popstar a coloca no centro do palco?
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Ofélia é uma das personagens femininas centrais em Hamlet, peça escrita por William Shakespeare no final do século 16. Ela é uma jovem nobre da corte dinamarquesa, que vive sob as ordens do pai, Polônio, e do irmão, Laertes.
Apaixonada por Hamlet, a personagem nunca consegue ter autonomia sobre seus sentimentos ou escolhas: é usada como instrumento político, censurada pela família e rejeitada pelo príncipe.
Na peça, Ofélia encarna a inocência sacrificada dentro de um ambiente de intrigas e poder. Vista como pura e obediente, é tratada mais como objeto do que como pessoa, sendo sempre manipulada por aqueles que deveriam protegê-la.
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O amor por Hamlet, em vez de salvá-la, é sua ruína. O príncipe, tomado pela raiva contra a mãe e pela desconfiança em relação às mulheres, descarrega em Ofélia seu desprezo. A famosa frase “Vai para um convento” sela a ruptura entre eles.
Pouco depois, Hamlet mata Polônio, pai de Ofélia, de forma acidental. Sem apoio familiar e rejeitada pelo amado, ela mergulha em um estado de delírio. Suas canções desconexas e cheias de metáforas revelam um estado de loucura.
A morte de Ofélia não é vista em palco, mas é descrita pela Rainha Gertrude: Ofélia subiu em um salgueiro sobre um riacho para pendurar guirlandas de flores silvestres, o galho quebrou, e ela caiu.
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Vestida ainda com suas roupas pesadas, flutua por instantes cantando "como incapaz de sua própria aflição" ("as one incapable of her own distress"), até que o peso dos tecidos a puxa para a morte. A cena é lembrada como uma das mais poéticas e cruéis da obra shakespeariana: uma jovem silenciada, engolida pelas forças ao redor.
Embora Taylor Swift tenha explicado no podcast New Heights, onde anunciou o albúm, que a foto da capa de The Life of a Showgirl a mostra em uma banheira, glamourizando o fim de uma noite exaustiva após um show, os fãs rapidamente ligaram a imagem a uma das obras de arte mais famosas do século 19.
A capa, que mostra Swift flutuando com um espartilho cravejado, é uma possível referência à icônica pintura "Ophelia" (1851-52) de Sir John Everett Millais.
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O quadro de Millais, uma obra-prima do Pré Rafaelita, que captura o momento da entrega de Ofélia à morte. A serenidade do corpo submerso fizeram da obra uma representação universal da jovem que cedeu à correnteza.
A pintura é notável pelo seu detalhamento da flora no rio, onde cada flor carrega um significado simbólico (por exemplo, violetas representam castidade e morte na juventude; papoulas vermelhas simbolizam sono e morte).
A fã da artista, dona do canal 'Starphoria', comenta da inspiração de Taylor Swift:
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O destino de Ofélia a que Taylor se refere em toda a letra é sua morte trágica, que alguns críticos discutem se foi um acidente ou um suicídio. Porém, também pode ser relacionado ao que levou à morte da personagem: o isolamento e o controle exercido sobre ela.
No caso da popstar, esse controle pode ser associado ao público, enquanto, na peça, vem do pai e irmão da personagem. A loucura e a tristeza, também citadas na música, levaram Ofélia ao seu destino.
Em “And if you'll never come for me; I might’ve drowned in the melancholy” (E se você nunca viesse por mim; eu poderia ter me afogado na melancolia), Swift faz referência direta à morte de Ofélia. A melancolia dita na letra reflete não só o estado mental da personagem, marcada pela loucura após perder Hamlet e o pai, mas também o simbolismo romântico de sua morte como entrega à tristeza.
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O verso “All that time / I sat alone in my tower” (Todo aquele tempo / Eu sentei sozinha na minha torre) fala da condição de Ofélia na peça: isolada, vigiada e controlada pelos homens à sua volta. Ela não tem autonomia, vive reclusa, obedecendo ordens, sem poder escolher seu próprio caminho.
Em “The eldest daughter of a nobleman / Ophelia lived in fantasy” (A filha mais velha de um nobre / Ofélia viveu em fantasia), o peso das regras impostas a personagem é evidente. Como filha de um conselheiro real, ela não tem liberdade e é usada como um peão por Polônio e pela corte. Viver em fantasia pode remeter tanto à idealização de seu romance com Hamlet quanto ao fato de que sua vida foi decidida pelos outros, nunca por ela mesma.
No trecho “But love was a cold bed full of scorpions / The venom stole her sanity” (Mas o amor era uma cama fria cheia de escorpiões / O veneno roubou sua sanidade), o paralelo com a peça é direto. O amor de Ofélia por Hamlet é ao mesmo tempo verdadeiro e destrutivo. Rejeitada cruelmente, chamada de “meretriz” e mandada para um convento, ela vê esse vínculo se transformar em veneno, sendo um dos gatilhos para sua loucura.
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Swift retoma essa imagem em sua letra, dizendo que o amor era algo perigoso, tóxico e até falso, que roubou sua sanidade, assim como aconteceu com a personagem shakespeariana.
O grande ponto da música que se afasta da narrativa de Shakespeare está no refrão. “No longer drowning and deceived / All because you came for me” (Não mais me afogando e enganada / Tudo porque você veio por mim) e “You saved my heart from the fate of Ophelia” (Você salvou meu coração do destino de Ofélia) mostram essa diferença.
Ao contrário do final trágico da vida de Ofélia, Swift fala de não estar mais se afogando e de não estar mais sendo enganada, tudo porque alguém, provavelmente seu noivo Travis Kelce, entrou em sua vida e a salvou, junto com seu coração, do destino trágico de Ofélia.
Saiba quem é Travis Kelce, o jogador de futebol americano que pediu Taylor Swift em casamento.
Ao transformar o destino de Ofélia em música, Taylor Swift conecta literatura clássica e cultura pop. Se na peça a personagem é engolida pela tragédia, na canção a cantora oferece uma nova voz e um final diferente, em que sobreviver também é uma forma de resistência.