A 2,5 mil metros de profundidade, o navio 'Camarat 4' repousa intacto, protegido por condições naturais que congelaram sua história no tempo / Reprodução Facebook/Drassm
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Um navio mercante da Renascença foi localizado a 2.567 metros de profundidade em meio ao mar de Saint-Tropez, um feito assinado pela Marinha francesa e pelo Departamento de Pesquisa Arqueológica Subaquática (DRASSM). O sítio, batizado provisoriamente de “Camarat 4”, estabelece um recorde nacional e projeta a arqueologia submarina para uma nova era.
A essa profundidade, o naufrágio se torna o segundo mais profundo já documentado no mundo, logo atrás do USS Samuel B. Roberts, a 6.895 metros. A descoberta foi feita por drone submarino após uma campanha de prospecção metódica.
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A embarcação, com cerca de 30 metros de comprimento, repousa intacta em uma paisagem abissal preservada da ação das ondas. Os primeiros levantamentos confirmam um estado de conservação excepcional, raro a uma distância tão grande da superfície.
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As águas frias, pobres em oxigênio e sem correntes fortes criam uma câmara natural de preservação. A ausência de tarets — moluscos xilófagos — limitou a erosão da estrutura de madeira.
“A essa profundidade, o mar se torna nosso melhor museu refrigerado”, afirma um arqueólogo do DRASSM, destacando o equilíbrio delicado entre o silêncio dos abismos e a riqueza dos vestígios materiais.
O porão revela redes comerciais esquecidas entre Itália, Provença e Catalunha. Foram contabilizadas cerca de 200 jarras de cerâmica, decoradas com imagens florais, cruzes e o monograma cristão IHS, sinal de uma religiosidade cotidiana.
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Barras de ferro, envoltas em fibras vegetais, destacam a importância estratégica desse metal no século XVI — um equivalente econômico às nossas baterias modernas.
Entre os achados:
Esses objetos esboçam uma economia mediterrânea vibrante, em que arte, religião e comércio compunham uma mesma rede de circulação.
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A missão utiliza ROVs (Veículo Operado Remotamente) equipados com câmeras 4K, LiDAR subaquático, um equipamento que usa pulsos de laser para medir distâncias com alta precisão e criar mapas 3D detalhados, e braços robóticos de alta precisão. Cada movimento é calculado para minimizar a perturbação do sítio.
A cartografia 3D cria um gêmeo digital do naufrágio, base para análises tipológicas e reconstituições. As peças recuperadas serão estabilizadas em laboratório, documentadas e conservadas a longo prazo.
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Mesmo a 2.567 metros, observam-se sinais de poluição moderna: garrafas, redes e algumas latas. Esses intrusos não prejudicam o valor científico, mas lembram a marca persistente das ações humanas.
O contraste entre a pureza das cerâmicas renascentistas e a banalidade do plástico destaca um dilema ético: proteger os abismos, últimos santuários da memória marítima.
A localização de Camarat 4 coincide com antigas rotas comerciais, confirmando eixos entre oficinas cerâmicas, portos lígures e mercados provençais. O ferro, transportado em lingotes, abastecia obras, arsenais e atividades agrícolas.
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A exploração em grande profundidade também exige vigilância geológica: vulcões submarinos, sismicidade e fluxos potenciais afetam a segurança da equipe e o planejamento das operações instrumentadas.
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Embora o recorde mundial continue com o “Sammy B”, a França estabelece um marco com esse sítio mediterrâneo. O feito não é apenas uma performance técnica: ele abre um conjunto de dados rico para comparações inter-regionais.
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Com o tempo, o estudo de Camarat 4 refinará as cronologias, os circuitos de difusão das formas cerâmicas e a padronização das cargas na era moderna.
A recuperação prioriza coletas pontuais, deixando o máximo de contexto possível. Os modelos 3D e arquivos fotogramétricos serão disponibilizados a pesquisadores e, depois, ao público geral.
Essa abordagem combina rigor científico e transparência, aumentando a resiliência do conhecimento diante de desastres naturais ou saques.
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Além da emoção, essa descoberta recorde lembra que o mar é um arquivo vivo. Cada ânfora, cada prego, narra a lenta construção de um Mediterrâneo conectado.
Camarat 4 nos obriga a combinar audácia tecnológica, paciência arqueológica e responsabilidade ambiental, para que as profundezas continuem falando às gerações futuras.
Ao revelar um navio “congelado” a 2.567 metros, a França faz mais do que superar um marco simbólico: ela ilumina, com precisão e humildade, a trama discreta de uma história comum escondida sob as ondas.